sexta-feira, agosto 15, 2008

Séries 28

Não, definitivamente o dia não estava a acabar como previsto. Dito assim até parece que havia algum plano para o fim do dia, que não havia, porque o Destino – estranho nome para um gajo que nem acreditava no conceito, nem nele próprio – acreditava que o melhor era deixar correr o tempo e os acontecimentos e interferir apenas quando a coisa ou descambava ou se vislumbrava uma alternativa a considerar.

Naquela noite decidiu convidar a Estele para uma saída cultural, uma sua conhecida de amigos comuns, um conhecimento que ainda gatinhava e que pensou poderia começar a andar a partir daquela noite, uns passos tímidos mas seguros para uma relação de amizade, porque a Estela era boa onda mas não o entusiasmava nem atraía para mais do que umas francas gargalhadas.

E a noite corria e escorria, umas cervejas atrás de outras e mais sabe-se lá o quê, música, dança e a subtileza feminina da Estele caiu por terra e deu lugar à investida, directa e sem mais. Ele, que a tinha flirtado infantilmente, sem esperar rigorosamente nada mais do que o encanto entre duas pessoas, foi apanhado desprevenido pela investida. Meio tolhido do álcool não conseguiu nem fez esforço para contrariar a investida e só pensava lá no fundo que não era bem aquilo que ele queria, mas a espuma da cerveja já tinha derrubado os muros da vontade e dali para a frente seria o que o destino, não ele que já não tinha qualquer capacidade de decisão, quisesse.
Bem vistas as coisas, argumentou em pensamentos entaramelados justificando-se para si próprio, até era uma mulher elegante, curvas bem feitas e suficientemente pronunciadas, uma pele dourada e tentadora, cabelos fartos e vistosos e uma voz bastante sensual. De qualquer maneira sentia que já não conduzia nada e que era conduzido.
O pior é que tinha mesmo que conduzir, tinha ainda que fazer a auto-estrada até casa e tinha que a conduzir, ele que já não tinha mão em nada porque os acontecimentos precipitavam-se a uma velocidade superior ao seu poder de encaixe.

No caminho pela auto-estrada decidiu, talvez pela reserva de lucidez que emergia para o fazer conduzir o carro, que em vez de não ter a mão em nada era tempo de deitar a mão a qualquer coisa de palpável e apreciar aquele belo corpo que ali estava disponível. E assim fez, com um sorriso pateta que parecia dizer agora sou eu que mando a minha vontade que afinal é a tua, começou a tocá-la com uma mão enquanto segurava o volante com a outra. E ela agradeceu, sentiu que a investida que tinha feito até então começava a dar os frutos que desejava e que finalmente o prazer carnal que ansiava, chegava. Despiu-se ali mesmo no banco do carro de forma a poder absorver em todos os poros os toques que desejava e nem o facto dele estar a partilhar a atenção à estrada e ao seu corpo a incomodava, pelo contrário, estimulava-a ainda mais. Pernas abertas e pés sobre o tabliê, a posição que escolheu para a recepção de outra pele que não a dela.

Os primeiros raios de luz já se faziam ver durante a viagem. Ela, satisfeita com a forma como o dia despontava, ele, aturdido, meio autómato de uma vontade que não era a dele e que não conseguia contrariar. Chega o fim da auto-estrada, o anúncio das portagens e ela, abrindo os olhos devido ao abrandamento da marcha, olha para a trajectória escolhida e pergunta meio incrédula, meio horrorizada: “ Não tens VIA VERDE???”

Ele responde com o ar mais natural e espantado com tamanha incrudelidade: “ ...não…”

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