segunda-feira, dezembro 11, 2006

Modos de Vida 16

Há dias em que tenho a sensação de ser bipolar. Chego às aulas, olho para os meus alunos e parece que me liguei à terra. Todos os problemas que teria, ficaram à porta. Sim, sou um dos professores privilegiados que apesar de denegrido e maltratado por este poder executivo ainda tem prazer em dar aulas. Tenho prazer quando sinto que de alguma forma posso marcar alguns daqueles seres que crescem cada dia que passa, rindo e aprendendo juntos. No entanto, quando penso no que os espera, um mundo de competitividade desenfreada e hipocritamente nivelada por baixo, saio da aula, fecho a porta e bem vindo ao mundo real!
Enquanto a Ásia for um mercado aberto aos grandes negócios e ao grande capital, teremos que “competir” com toda a espécie de atropelos aos direitos humanos.

quinta-feira, novembro 30, 2006

Pele 13

Neste amor que brota naturalmente da natureza humana, quem precisa mais de quem?
A memória ficará sempre gravada pelo cheiro da pele, pelo toque, pelos beijos e pelos sorrisos que trocaram.

terça-feira, novembro 21, 2006

Ambiências 33



Para que conste: este espaço tem no rodapé um pequena frase que diz: “Todas as fotografias expostas têm a permissão dos respectivos autores”.
Porque razão estaria esta frase lá escrita se assim não fosse? Só as mentes eventualmente invejosas que revelam ou pouca atenção aos detalhes importantes ou uma desonestidade intrínseca, é que podem duvidar.
O critério de selecção das fotos, para quem estiver interessado em saber, não é o do conhecimento dos autores mas exclusivamente das fotos dos autores.
A entrada das fotos aqui, isso sim, depende de critérios bastante mais objectivos e rigorosos: da conjugação dos astros, do número de neutrinos que numa determinada hora atinge a crosta terrestre e, não menos importante, do fluxo de radiação UV que é absorvida na camada de ozono porque, como sabem, a radiação UV causa males de pele e pruridos indesejáveis.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Sugestão 09




Inaugura amanhã no Espaço Quadrante, no Centro Cultural de Belém, uma exposição colectiva de fotografia inserida na comemoração do Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação. Estará patente ao público durante todo o mês de Novembro e depois estará no arranque no rali Lisboa Dakar. Será posteriormente exibida nos Casinos de Lisboa e continuará a sua marcha por alguns pontos do País. Esta exposição, produzida por
Sofia Brás Monteiro, é uma iniciativa da Comissão Nacional de Coordenação do PANCD.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Séries 10

Hoje é dia de prós e contras. Adivinhem o tema. Não acertei no euromilhões.

domingo, setembro 10, 2006

Ambiências 31

Anteontem, no telejornal da RTP1, passou a meio da emissão uma notícia flash que dizia que segundo um estudo os professores portugueses eram os terceiros mais bem pagos da OCDE. A notícia parecia um meteorito daqueles que se desfazem imediatamente mal entra na atmosfera, porque foi apresentada e nada mais se disse. Não houve comentários, entrevistas ou análises à notícia que ali, naquele estúdio, caíu do céu. Perguntei-me se esse mesmo estudo não iria concluir que o salário mínimo nacional estaria afinal também muito bem classificado e se, com os mesmos critérios, afinal desconhecidos, o salário dos políticos não estaria no topo do ranking da OCDE.
Aposto qual vai ser brevemente o tema dos prós e contras.

sábado, setembro 02, 2006

Modos de Vida 15

Estava calor. Um calor húmido e abrasador, daqueles que faziam destilar todos os eventuais venenos que se pudessem ter ingerido nos dias anteriores. À volta, calhaus, rochas e areia em planícies limitadas ao longe por cadeias montanhosas que rasgavam o horizonte como fantasmas, com contornos pouco nítidos e que ondulavam ao sabor do calor que o solo radiava. Depois de algumas horas naquele deserto árido onde apenas se atreviam algumas cabras afoitas na busca de algo seco e orgânico avistei o que se poderá naquelas bandas chamar de quinta. O único sinal de que a quinta não estava abandonada era a presença de um homem que se deslocava naquela aridez cumprindo gestos e hábitos quotidianos de quem está habituado a viver com mãos cheias de nada rodeado de coisa nenhuma. Abordei-o. Pediu-me um cigarro. Dei-lhe um cigarro e rapidamente percebi que aquele dia seria para ele um dia de sentimentos contraditórios: Por um lado o festim do cigarro, por outro, a intrusão de forasteiros naquelas terras onde ele se sentia rei. Perguntei-lhe que fazia ele ali naquele sítio à torreira do sol. Disse-me que tinha ido buscar água. Olhei para o recipiente que transportava. Havia lá um líquido acastanhado. Perguntei-lhe o que conseguia cultivar naquela aridez. Olhou para mim e disse-me que cultivava tudo. Confuso, olhei em volta e apenas umas tamareiras amarelecidas rasgaram o solo duro e quebradiço. Olhou para mim e acrescentou sorrindo, tudo, quando chove. Um sorriso que me arrepiou, por ser um sorriso triste, todavia superior, com trejeitos de ironia. Naquele sítio não chove faz anos. Acendi-lhe o cigarro, dei-lhe mais uns cigarros e ele afastou-se transportando aquele líquido acastanhado com o mesmo sorriso com que me havia presenteado.
Ao fim do dia, chegado ao reduto com aromas ocidentais, com o corpo ainda coberto de aridez, ouvia-se na televisão que emitia a RTP África um drama nacional que afectava a nação lusa: O Caos na Liga de Futebol. Adormeci num sono solto, assaltado por aquele sorriso.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Ambiências 30

Misture-se paz com amor. De seguida, prepare uma dose de liberdade sem destino, junte sol, lua, vento, terra, areia, água salgada ou doce e pele nua. Polvilhe tudo com humor e sirva quente. Verá que passado uns momentos os corpos dançarão ao sabor da harmonia de todos os elementos.

sexta-feira, julho 14, 2006

Séries 09

Saíram ontem os resultados dos exames nacionais. Convém dizer que sobre as mesmas disciplinas haviam dois tipos de provas: as que incidiam sobre programas leccionados há dez anos e as que incidiam sobre programas que se estrearam em 2003 e que tiveram o culminar em 2006, fechando o ciclo. Convém dizer também que quando se iniciaram os novos programas, ambiciosos e extensíssimos, os professores foram formados à pressão. Isto é, recebiam formação em Setembro e Outubro para os começarem a leccionar em Setembro! Mais, os novos programas implicavam equipamentos laboratoriais que não chegavam nem chegaram em tempo útil às escolas. Foi uma reforma feita à pressa e que se iniciou por disparates políticos pressionados pelas Editoras livreiras. Os resultados foram os que já se conhecem. O Ministério ficou tão escandalizado e surpreendido ( só mesmo os inconscientes e pouco prevenidos é que se escandalizam, porque os professores avisaram ) que permite agora à laia de remedeio que os alunos repitam novamente as provas na 2ª Fase e que conte a melhor nota.

Este processo que durou três anos espelha a irresponsabilidade com que a tutela inicia reformas: Não as prepara, não as acautela, lança os dados e pensa que a sorte protege os audazes.

Agora não me apetece dizer mais, nem me apetece dizer que formalmente os professores e o trabalho que desenvolveram desde Agosto de 2005 até hoje e até Dezembro de 2006 não existe nem existirá, não conta nem contará, foi e será a feijões: São os profes-zombies.

quinta-feira, junho 29, 2006

Retratos 20

Sei porque vais e sei que quando chegares muitos pequenos rostos sorrirão e que isso te dará a felicidade que buscas. Sei também que quando ouvires uns sopros de flautas sentirás na pele que a música aproxima e liga as pessoas e os povos.

quinta-feira, junho 22, 2006

Modos de Vida 14


Em tempo de Mundial de futebol a selecção nacional vai anestesiando o povo com os resultados que está a alcançar nas terras germânicas. Acho mesmo que o primeiro-ministro em caso de vitória deve ter prometido regalias especiais aos jogadores de forma a manter a moral do povo em cima e distraída com o que se passa. Este último mês, foi apresentado um conjunto de medidas de ataque violentíssimo aos professores, à sua dignidade profissional e às escolas públicas. Não, nem sequer me estou a referir a essa absurda ideia de os pais avaliarem o desempenho dos professores, porque essa proposta, para além de risível é a de menor importância no conjunto das propostas ao, diria, futuro “Não-Estatuto-dos-Professores.”
Se esta proposta se vier a verificar, os jovens e menos jovens professores deste país apodrecerão numa carreira estagnada sem o menor motivo de interesse por mais excelentes que sejam porque só poderão progredir se os colegas de mais idade tiverem todos morte súbita. Será com este sistema de quotas na progressão, verdadeiramente assassino, que este governo pretende aliciar o mérito e o bom desempenho e a qualidade da educação? Claro que para o governo o que importa são apenas os resultados, os meninos têm todos que passar para melhorar as estatísticas do abandono escolar e da baixa escolaridade de Portugal. Estou certo que muitos professores afastar-se-ão do ensino público e, dentro em breve, a escola será também ela externalizada, como é agora moda dizer-se. Aliás, esse é o verdadeiro propósito deste “Estatuto-dos-Professores” distribuir mais umas negociatas pelos amigos e famílias. Até quando vamos permitir este abuso?

domingo, junho 04, 2006

Modos de Vida 13

Há dias passei um bom par de horas numa aldeia bem perto do centro geográfico de Portugal. Daquelas aldeias isoladas por montanhas e árvores em que a linha do horizonte está alta e acompanha o relevo da montanha. Dizia-me um amigo meu enquanto calcorreávamos aquelas ruelas sinuosas e nos cruzávamos com os escassos habitantes do sítio. "Aqui sabes com o que contas, as pessoas são como são e nada escondem." De facto, esta gente tem a alma na ponta das mãos.

segunda-feira, maio 29, 2006

Modos de Vida 12

Ele acordou a pensar que seria hoje que finalmente faria aquilo que tanto desejava. Já era tempo de concretizar os seus desejos e de pensar só em si.
Levantou-se animado pela concretização de um sonho que há muito perseguia, vestiu-se e saiu sem deixar satisfações àqueles que consigo privavam mais de perto. Pela primeira vez tinha um gesto egoísta e iria passar umas horas livres de tarefas pré-determinadas por aqueles que o rodeavam e lhe impunham um ritmo que muitas vezes não era o seu.
Iria finalmente participar numa prova desportiva que um amigo lhe havia falado. Entusiasmado por vestir um traje desportivo e ser alvo dos olhares da assistência, sentou-se decidido a fazer boa figura. Passado pouco tempo de iniciar a prova, percebeu que, afinal, não tinha escolhido o desporto apropriado e, mais uma vez, era obrigado a ter um ritmo que não era o seu.

terça-feira, maio 23, 2006

domingo, maio 14, 2006

Ambiências 29


Ufa, andar em mudanças deixa-me de rastos mas renovado. É nas mudanças que reciclamos tudo aquilo que havíamos um dia guardado à espera de um destino qualquer e que inevitavelmente acaba no lixo por recusa de mais carregos. É também nestas alturas que se descobrem surpresas que nem sabiamos existir e que guardamos religiosamente num caixote até uma próxima mudança. É uma espécie de destilação em que se guardam apenas algumas gotas de memórias que sintetizam a história que se quer preservar.

quinta-feira, maio 04, 2006

Ambiências 28

Hoje, quatro de Maio de 2006, quando eram exactamente uma hora, dois minutos e três segundos, houve uma conjugação curiosa de números que marcaram o tempo: 01:02:03, 04/05/06. Porque tudo na vida tem um momento, este, já passou e transformou-se noutros tempos. Tudo o resto são apenas memórias que esperam por uma visita ou que nos visitam sem aviso prévio.

sábado, abril 22, 2006

Intimidades 13


Toma. São para ti. Amanhã as flores poderão murchar, mas serão só as flores porque nós temos nos poros marcas indeléveis de uma vontade que se cumprirá.

terça-feira, abril 18, 2006

Modos de Vida 10

- Hoje é véspera de amanhã e amanhã é véspera de depois de amanhã e depois é véspera de depois de depois de amanhã e caraças, anda sempre esta sensação de que ando atrasado.
- Espera, relaxa, raciocina: hoje é depois de ontem e ontem foi depois de anteontem, percebes? Afinal andas à frente do passado e atrás do futuro. Senta-te. Saboreia o presente, não te inquietes com o tempo que foge, com os dias que já não regressam nem com os que hão-de vir. O presente é a única coisa que tens.

terça-feira, abril 11, 2006

Ambiências 27

- Que fazes?
- Danço. Danço os sons da vida. Aqueles que saem dos olhares, dos sorrisos, das tristezas, em notas soltas, por vezes fracas, outras vezes fortes. Sabes, o segredo está em conseguires captar toda a intensidade destes sons que te rodeiam.
- Não, o segredo está na forma como te entregas. A generosidade, a alegria, a ingenuidade e a autenticidade com que te relacionas. Tu encantas a vida!

terça-feira, abril 04, 2006

Sugestão 08





Um Livro: "The Girl Next Door", o culminar de um projecto de fotografia em estúdio.

Segundo o autor, "The Girl Next Door desperta o nosso imaginário nos encontros fugazes, numa troca de olhares, na porta da rua, no elevador, no café da esquina, no cinema… este mistério despertou a ideia de criar um livro que levante um pouco o véu da intimidade feminina.
Tudo é diferente neste livro. As modelos não são profissionais e não planearam figurar num livro de fotografia. O casting foi, completamente aleatório e casual, resultando de encontros fortuitos do dia-a-dia.

Diante da objectiva, a Mulher dá-se a conhecer. E, muitas vezes, com grandes surpresas também para si própria sobre coisas que escondia e a coragem que desconhecia ter. Expõe muito da sua força. Muito da sua insegurança."

sábado, abril 01, 2006

Ambiências 26

Por alturas do Carnaval de 2003, dias antes da anunciada invasão dos Estados Unidos ao Iraque, apanhei uma gripe daquelas que se tem uma vez em cada década. Quase uma semana fechado em casa com febre. Lá fora, o tempo estava invernoso de forma que aquela clausura forçada pareceu menos penosa. Já que pouco podia fazer, decidi iniciar uma pesquisa sobre a música iraquiana e conhecer melhor aquele povo que estava à beira de ser invadido.
De site para site, de portal em portal, fui descobrindo uma série de grupos iraquianos e do médio-oriente. Uma das bandas que mais me surpreendeu foi uma banda iraniana, Axiom of Choice. Procuram novas sonoridades dentro da música persa.A custo, consegui arranjar os três álbuns que tinham até então editado. Para mim, uma delícia e valeu o esforço e a persistência. Aqui fica um dos registos deles do Álbum Niya Yesh.

quarta-feira, março 29, 2006

Pele 12

J estava sentado numa biblioteca e folheava distraidamente uma revista. As imagens impressas trespassavam a sua retina sem deixarem qualquer marca em neurónio que fosse. As letras não passavam de manchas empasteladas no papel brilhante. E assim iria continuar, num estado vegetativo interrompido apenas por fugazes gestos mecânicos que faziam as páginas passarem uma após outra, lentamente. De repente, tomou consciência de si quando finalmente o seu cérebro processou uma imagem que lhe captou a atenção: a de uma jovem provocante, perfumada com fragâncias de Armani, que se aproximava com passos firmes e sedutores, passando por ele, e dirigindo-se a uma mesa onde se encontrava um homem de meia idade, cabelo escorrido e pastoso com sulcos bem vincados pelos dentes do pente encaspado. Tinha olhos encovados, encobertos por lentes grossas e uma pose rígida, austera.

A sua atenção ficou totalmente desperta e decidiu observar com atenção aquele encontro entre dois seres tão diferentes que davam nas vistas pelo contraste. A bela e o monstro, pensou. Imaginou nomes para aquelas duas personagens que o tinham feito sair do limbo. Ela, Lolita. Sim o mito da Lolita estava bem encarnado naquela bela rapariga-mulher. Ele, podia ser Zé, Zé-Ninguém. Satisfeito com este baptismo repentino, e tão apropriado, reposicionou-se na sua cadeira por forma não perder pitada daquele encontro. Desejava ter umas orelhas que se assemelhassem a antenas parabólicas de escuta. Esboçou um sorriso quando se deu conta de que o silêncio que caía sobre a biblioteca lhe permitia, afinal, não ter que se transmutar ou socorrer de um aparelho para escutar as cenas que se iriam desenrolar.

O Zé, quando viu a Lolita aproximar-se, ajeitou a cadeira e sorriu para ela de maneira que ficou claro que a esperava. Sorrir de forma a ficar claro é uma autêntica figura de estilo. Na realidade o Zé quando sorri mostra uma dentadura tão castanho ocre que mais parece coberta de açafrão esturricado. Tirou um livro de uma pasta de couro manchada e retorcida pelo tempo e começou a falar com uma voz suave e doce. J franziu a testa com admiração com esta revelação sonora. Lolita ouvia-o com atenção e parecia mesmo absorver com afinco tudo o que o homem dizia. O Zé falava de equilíbrio químico e das alterações provocadas aos estados de equilíbrio.

J sentia-se confuso com aquele quadro e mais confuso ainda quanto ao tema da conversa. O equilíbrio químico, pensava para si, era algo que não existia nele naquele momento, e deu-se conta que não tirava os olhos da Lolita e que a sua química estava agora toda alterada, com descargas sucessivas de adrenalina. Irritou-se consigo e com o assunto que estava em cima da mesa. Ouvir falar de equilíbrio químico com a visão da Lolita era para si, naquele momento, o cúmulo da ironia.

Lolita, deu-se conta da sua presença e olhou-o pelo canto do olho, sorrindo, com um ar insinuante, desafiador e libidinoso.

J teve uma descarga de adrenalina tão forte que quase caía da cadeira. Nesta aparente queda, teve a visão da sua mulher que olhava para ele com aquele ar reprovador que ele tão bem conhecia. De repente pensou na tese das vidas paralelas: Ser franco e leal com todas as pessoas que conhecia, dar tudo de si aos amigos, à mulher, à família, aos colegas, enfim, ser transparente nas relações com todas elas, nas suas múltiplas vidas, nos seus múltiplos eus que encarnava, mas não entre elas. Uma espécie de compartimentos estanques. Saltaria de compartimento para compartimento em função do lugar e do contexto, sem que nada de um compartimento se pudesse misturar com os outros compartimentos. Seria verdadeiro e coerente em cada compartimento mas os vários compartimentos não tinham que ter coerência entre si. Desta forma, podia até haver lugar ao antagonismo. Seria um antagonismo pacífico, porque compartimentado, selado, hermeticamente fechado e só ele saberia a chave e as passagens entre compartimentos. Claro! era isso! estava resolvido o seu momentâneo dilema moral.

Voltou-se novamente para a Lolita e para o Zé, encorajado pela sua argumentação astuta, genialmente simples e linear, matemáticamente perfeita, quando viu a Lolita levantar-se, caminhar na sua direcção sorrindo para alguém que estaria atrás de si. Olhou para trás e quase caía novamente da cadeira quando se deparou, desta vez não em pensamento, com a sua mulher. Ela também sorria e ele, visivelmente confuso e perdido, tentava encontrar alguma lógica naquele cenário. Viu-as cumprimentarem-se e viu-se apresentado, pela mulher, à Lolita, que afinal não era Lolita mas sim Anaís, imagine-se. Levantou-se desajeitadamente, estremunhado, sentindo-se acordar de um pesadelo, desejando não estar ali, e viu-se a dar dois beijos naquela jovem-mulher com quem tinha acabado de fantasiar. Ela, adivinhando-lhe os pensamentos, qual espia na casa do amor,sussurrou-lhe ao ouvido enquanto o beijava: "As paralelas só se entrecruzam no infinito, mas tu és mortal. Não acredites em vidas paralelas."

J sentiu-se nú, literalmente nú, arrasado por aquela miúda que sorria para ele e para a sua mulher. Aturdido com aquela invasão brutal aos seus pensamentos, achou que nú não seria o termo mais apropriado à situação, seria mais transparente. Sim, transparente, totalmente transparente, só assim se justificaria tamanha devassa ao que de mais íntimo possuía. Olhou para ela e para a mulher que entretanto já se afastavam. Tinha agora a certeza que era transparente e que elas passaram por si como se ele não existisse, e apareceram exactamente para lhe demonstrar o quão transparente ele era. Tentou articular sons que não conseguiam passar por aquele súbito e monstruoso nó que se formara na garganta.
Deixou-se cair pesadamente na cadeira e pegou mecanicamente na revista, que lá sempre estivera ao seu lado, como se aquelas páginas pudessem cobrir todo o seu ser tão violentamente desnudado. Enquanto fazia o movimento de puxar para si aquelas páginas agora desalinhadas, parou numa frase que lhe chamou a atenção: “O que ocultamos, é o que somos.” Olhou para a porta de saída da biblioteca e viu-as afastarem-se sorridentes e cúmplices. Apertou as pobres folhas da revista com tanta força que elas amarrotaram, cederam e rasgaram-se. J olhou para o que restava da revista como se estivesse a olhar para si próprio. Pousou o amontoado de papéis enxovalhados e deambulou pela biblioteca gelado por aquelas frases assassinas que surgiram tão de repente quanto aquelas duas mulheres se haviam afastado, juntas, como dois segmentos de recta paralelos.

sábado, março 25, 2006

Novo Layout

O Blografias renovou o visual. Nesta nova versão, quem quiser deixar algum comentário terá que clicar no número que aparece ao lado do título do post. Apenas uma mudança de visual, porque a fasquia na qualidade dos trabalhos a publicar mantém-se e tende a subir.
Renovo o agradecimento a todos os autores que gentilmente colaboram para enriquecerem este espaço.

quarta-feira, março 22, 2006

Retratos 19

Ainda há pouco dizia que não tenho jeito para fotografar paisagens, não porque não seja sensível a uma boa foto de paisagem, mas porque o que realmente me motiva na fotografia é a interacção que pode haver entre o fotógrafo e as pessoas que o rodeiam. Os momentos que antecedem e precedem o acto de fotografar são únicos, porque se partilham histórias, olhares e cumplicidades inesquecíveis. Ter a sorte e a arte de registar em fotografia mais do que uma expressão ou um ambiente é a cereja no cimo do bolo.

domingo, março 19, 2006

Retratos 18

Hoje comecei o dia com mimos dos meus filhos. Nestas alturas, em que me sinto bafejado pela sorte, tenho sempre a mania de me lembrar das situações inversas: aquelas crianças que também gostariam de mimar e de serem mimadas mas que já aprenderam que os mimos são um luxo que lhes foi negado.

quarta-feira, março 15, 2006

Ambiências 25

Hoje fico apenas à escuta e a ver. A simplicidade e a beleza exigem a minha atenção.

domingo, março 12, 2006

Abstracto 02

Na memória dele, aquela casa ficaria registada para sempre, talvez pelas janelas que radiavam a luz exterior banhando sauve e delicadamente todo o interior, talvez pelo cheiro salgado dos salpicos das ondas que planavam naquela brisa marítima envolvente. Fosse do que fosse seria sobretudo porque ela lá estava. A música que saía dos altifalantes enchia o quarto soalheiro de sons lânguidos e vozes quentes, melosas. Lá fora o mar estava calmo, as ondas espraiavam-se num ritmo suave, cadenciado mas determinado. O sal dos corpos que se encontravam e fundiam, cúmplices, apaixonados, misturava-se com o da maré ao ritmo das ondas.
À distância, é sempre difícil saber, na enorme sequência de acontecimentos que compõem a vida, qual o momento decisivo a partir do qual se pode dizer que se estabeleceu uma mudança, e, por consequência dela, todos os acontecimentos vindouros estarão irreversivelmente cunhados por aquela marca indelével. No entanto, para ele, o exercício da descoberta do momento primordial não era determinante, determinante era sentir ainda e cada vez mais o desejo inicial fortalecido sabendo que as horas passadas naquela casa das marés se iriam multiplicar na serra, no mar, ali, acolá ou onde a maré os levar.

quinta-feira, março 09, 2006

Séries 06

Ontem comemorou-se o Dia Internacional da Mulher. O ano passado perguntava neste espaço até quando seria necessário esta comemoração.
No entanto, na sociedade ocidental continuam a morrer todos os dias mulheres vítimas de abusos e maus tratos. Continuam a haver todos os dias violações. Nas sociedades islâmicas para além disso continuam a condenar-se à morte por métodos verdadeiramente bárbaros mulheres que cometam adultério. Nas sociedades africanas continua-se a prática de mutilações escabrosas aos órgãos genitais das mulheres. Por mais apelos e programas de sensibilização que hajam, os hábitos e as culturas teimam em não mudar. O Einstein com a sua genial acutilância e perspicácia dizia que era mais difícil destruir um preconceito do que um átomo. Era bom que ele se tivesse enganado.

terça-feira, março 07, 2006

Pele 11


Mais do que a ignorância, irrita-me solenemente a preguiça. Sinto um desprezo enorme por todos aqueles que, tendo tudo, desbaratam porque não estão para o esforço. Aprender dá trabalho e requer perserverança e empenho. Requer ainda mais empenho quando não temos aptidões inatas para aquilo que estamos a aprender. Ando a passar muitos dias rodeado de preguiçosos e isso anda-me a deixar estragado e pouco paciente. Raios, os dias são mesmo como os interruptores.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Retratos 16

Há locais, povos, ambientes, cheiros, cores, que uma vez visitados passam a exercer um fascínio constante, como um eco que não para ressoar, apelando para lá voltar e, talvez, ficar. Uma espécie de canto de sereias que ecoa das profundezas da terra africana, o som do berço da humanidade.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Séries 05

Em 1978, Wilson e Penzias ganhavam o prémio Nobel da Física por terem conseguido ouvir, à custa de uma enorme antena em forma de corneta, o barulho da explosão primordial do universo. Em 2006, um português habilita-se a ganhar pela primeira vez o tão almejado prémio por conseguir ouvir o dito ruído de fundo com um dispositivo portátil. E mais, assim que o detectar, fotografa-o!

Há coisas deliciosamente absurdas.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Ambiências 24

Hoje não me apetece dizer nada, apenas ouvir este som de fundo e deixar-me levar pela voz da Lisa Gerrard.

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Sugestão 07


Foto de Z
Pois é! Agora quem passar por aqui tem um som de fundo a acompanhar as imagens. Um som que irá variando em função de um único critério: o que gosto e me apetece ouvir no momento.
Aqui fica uma sugestão: Anouar Brahem, um tunisino que cria ambientes fantásticos com o oud. Neste trabalho, Madar, editado pela ECM em 1994, toca com o Jan Garbareck e criou arranjos fantásticos com diálogos intensos entre o saxofone e o oud.
Já agora, fica também aqui a informação de que Anouar Brahem estará no próximo mês no Festival de Braga Jazz 2006. A não perder.

domingo, fevereiro 05, 2006

Intimidades 12

Tal como na fotografia, há momentos que se congelam na memória e que vamos visitar sempre que a saudade aperta. Aqueles momentos de total liberdade em que nada mais importa do que seguir o que o instinto dita.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Retratos 15


Foto de Luís Zilhão
Há dias fui ver uma exposição de fotografia intitulada “Capitão Goma”. O tema centrava-se na criança. Imaginário de cor, alegria e brinquedos. A espaços apareciam imagens que nos confrontavam e que tínhamos que parar e ver. Os trabalhos estavam expostos de uma forma muito apelativa e era com prazer que se percorria a galeria enquanto se ouvia um som de fundo de um vídeo: o som suave do mar na praia e o barulho da criançada a brincar. Saí contagiado pela animação daqueles sons alegres e pelas cores fortes que tinham ficado na retina.
Cheguei a casa. Enquanto trabalhava, saltou-me à vista um título de um livro do Tojal - Os putos – gravada na lombada de um livro amarelecido pelo tempo. Folheei-o e li algumas páginas salteadas. Acendi um cigarro – estou a tentar deixar de fumar. Ao meu lado a minha filha estava irritada porque não conseguia passar de nível num jogo da Playstation.
Arrumei o livro e fui assaltado por um pensamento que me deixou numa espécie de paz estupidificante: o Cavaco Silva ganha as eleições, Portugal está a salvo.
Acendi outro cigarro enquanto mascava uma pastilha nicorette.

sexta-feira, janeiro 20, 2006

Intimidades 11

Como exprimir em palavras tudo o que uma imagem nos suscita? Há imagens que por mais que se espremam não vertem qualquer som. Outras há que nos emudecem perante a sinfonia dos afectos, da cumplicidade e da sabedoria.

terça-feira, janeiro 17, 2006

Intimidades 10

Do alto da janela ele contemplou-a mais uma vez. Aqueles momentos em que ele a via partir estavam a tornar-se uma rotina, uma rotina cada vez mais penosa. Ela, com um misto de paixão, ternura e provocação, despedia-se dele. Ambos sabiam que o tempo que tinham estado juntos estava marcado na pele. Ambos sabiam que se voltariam a ver antes de desaparecer completamente das almofadas o cheiro a corpos fundidos.

domingo, janeiro 15, 2006

Modos de Vida 08

Zoe, era uma mulher que, dizia-se, captava as energias exteriores. Sentia que conseguia sentir e descodificar o que a terra e os outros emanavam. Esta espécie de fusão com o mundo conferia-lhe uma aura contagiante. Sim, Zoe encantava. Fortes salpicos de sentido prático numa matriz esotérica. Definitivamente, essa combinação antagónica mas complementar deixava marcas indeléveis por onde passava. A alegria e a tristeza que carregava consigo faziam-se sentir na paixão que tinha pela vida.
Naquela quinta-feira, naquela tarde de quinta-feira, olhava para as gaivotas e sentia-se livre, sentia que também voava naquele voo lânguido, suave e doce.

As gaivotas também captavam as energias exteriores. Tinham uma enorme eficiência no aproveitamento das mais pequenas brisas e diferenças de temperatura para os voos planantes que realizavam.

Zoe voava com elas. O tempo corria agora noutro tempo e Zoe não tinha pressa nem sequer vontade de o acertar. Sabia que o tempo, aquele que pulsa sem parar, se encarregaria de o acertar e de a lançar em novos voos.

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Ambiências 22

André era um homem tipicamente cosmopolita. Não passava sem a dose diária da adrenalina urbana da sua cidade: o cheiro a tinta de jornal fresco, o cheiro do gasóleo acumulado no interior do seu carro das intermináveis filas de transito que teimosamente insistia em andar, o cheiro das iscas requentadas, o cheiro indistinto de óleo alimentar queimado, o cheiro a tabaco pestilento depois de uma noite com Dj's. Dava-se conta que também não podia passar sem todo o ruido branco que o rodeava: os telemóveis a tocar insistentemente, as buzinas dos carros, os rádios, a televisão, os gritos, as pessoas, muitas pessoas e música.
Um dia disseram-lhe que tinha que parar, o seu coração não aguentaria mais aqueles tratos diários misturados com álcool e outros químicos que o enganavam. Parou. Foi viajar para paragens distantes, onde o tempo corre devagar e onde o prazer se encontra nos olhares, nos aromas e nos silêncios.
Consta que não regressou. Não se sabe bem se ficou por lá pelos campos budistas se pelas casas de ópio e do prazer. Pouco importa, na cidade ninguém deu pela sua falta.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Bom Ano

O tempo corre freneticamente. Toda a gente que conheço me diz que o tempo passa a voar, que ainda ontem foi a passagem de ano do ano passado e já estamos no final do ano outra vez. As pessoas dizem isto com um misto de preocupação e resignação.
Este ano, porém, a natureza ofereceu-nos com um argumento encorajador que combate o cansaço da passagem do tempo: O ano de 2005 teve mais um segundo!!!
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