terça-feira, dezembro 15, 2009

Ambiências 53




Depois de meses de interregno volto a este espaço antes do final deste ano para deixar umas imagens da zona de Mpumalanga, África do Sul. Uma zona montanhosa com canyons fantásticos e cascatas majestosas.



Curioso lá, tão longe, haverem as cascatas de Lisboa que fazem jus ao nome que têm.









É impressionante o tempo, essa coisa etérea que escorre inexoravelmente para a frente não dando hipótese de o controlar. Enredamo-nos nesta teia do tempo, com dificuldades para o gerir e para encontrar naquela corrente um tempinho para parar. Mas antes tarde do que nunca, e cá estou outra vez para anunciar que este espaço, parou, mas não morreu!






Aqui, neste lugar, sentimo-nos pequenos, esmagados pela imensidão e grandiosidade das montanhas. À beira do abismo, quase dominando o ar e os céus, sente-se poder. Sente-se que se a Natureza consegue oferecer todo esta maravilha também a nossa capacidade de criar e de conceber não tem limite.


É um misto de sensações, de respeito e pequenez e ao mesmo tempo de poder e de acreditar que tudo é possivel, se quisermos!


Mpumalanga, God's Window, África do Sul, Novembro de 2009

Foto de Francisco Máximo

Com esta fotografia de um lugar mágico, chamado God's Window, brindemos ao novo ano, à vontade, à determinação, ao desejo, aos novos desafios, às novas vidas!

quarta-feira, agosto 05, 2009

Ambiências 52

Mercado Mandela, Maputo, Moçambique, Julho de 2009

Uma destas semanas fui visitar um mercado informal de Maputo, de seu nome, Mandela. Um daqueles mercados e ambientes onde não é nada usual a presença de mulungos ( brancos ). A atmosfera era inicialmente desconfiada, mas rapidamente se desvaneceram as distancias culturais e houve uma interacção desinteressada e franca.


Mercado Mandela, Maputo, Moçambique, Julho de 2009

Em conversa com as mulheres tive uma grande lição de economia comunitária. A forma como gerem o seu negócio, como se entreajudam e como aplicam as suas poupanças.



Mercado Mandela, Maputo, Moçambique, Julho de 2009



Surpreendeu-me encontrar um grande mercado que parecia um centro comercial de restaurantes, em que a presença de uma mesa era o bastante para o anunciar. A mistura do cheiro da comida, a simpatia das pessoas, as condições precárias das "cozinhas", a luz que se misturava com o fumo do carvão criavam uma atmosfera que convidava a ficar e a tomar uma cerveja.


Os preços eram simbólicos e acessíveis às magras bolsas moçambicanas. O tempo corria devagar e harmónico naquele lugar afastado de intrigas políticas e onde cada um conta pelo que faz e não pelo que tem.
Entretanto, na cidade e no país político discutia-se com indignação o nome escolhido pelo presidente da república para baptizar a ponte que une o norte ao sul de Moçambique, a ponte do rio zambeze, de seu nome, o do próprio presidente. Que original!

quarta-feira, junho 24, 2009

Intimidades 20


Em Moçambique costuma-se dizer que quem bebe a água do Rovuma, um rio do norte de Moçambique, nunca mais quer de lá sair. Do país, não do rio. Estou de volta à Europa para umas breves férias mas a verdade é que sinto já saudades daquele continente.
Estou tramado, vai ser um desassossego quando um dia tiver que regressar de vez. Terei?... talvez um dia...

sexta-feira, junho 19, 2009

Pele 30

Atravessando o canal de Maputo para Inhaca, Moçambique, Setembro de 2008
As estrelas serão as nossas testemunhas. De preferência as que iluminam esses lugares de silêncio sagrado que fazem descobrir a essencia do ser, os desertos.

terça-feira, junho 16, 2009

Séries 34

Foto de Alberto Monteiro


Nos últimos tempos fui a dois casamentos. Dizia alguém que não recordo já quem seria, que no casamento é cada vez mais necessário o sexto sentido. Sobretudo depois do quinto divórcio.

Nunca chegarei a essa fase fatigante. Como também alguém já dizia, errar é humano, perseverar no erro é diabolico.
Paz!

quarta-feira, junho 10, 2009

Ambiências 51

Quissanga, Cabo Delgado, Moçambique, Outubro de 2008


Naquele dia ela chorava. Corria-lhe na face uma lágrima fluente que ziguezaguiava nas curvas do seu rosto.

Aquela lágrima não era em vão, era um gota que iria banhar o rio das plenas emoções que cada dia se desenhavam e afirmavam no horizonte. Sim, a vida estava a mudar e para melhor!


Já dizia o Pessoa, “quando a alma se agiganta a tristeza também canta.”

quinta-feira, maio 21, 2009

Séries 33


Corria-lhe no sangue uma vontade louca de amar. Era um desejo profundo do seu corpo. Mas não queria amar por amar, queria amar aquela mulher por quem um dia se tinha apaixonado e por quem tinha dado não só o seu corpo mas também a outra parte imaterial do seu ser.

A mulher por quem se apaixonou, com o tempo, foi-se desmaterializando, perdendo a sombra até deixar de se ver. Esfumou-se no tempo que o enrugou. Ele, continuava à espera todos os dias já com uma esperança murchada e seca.

Os vizinhos viam naquele homem um ser que não tinha sido e que se deixara perder no seu caminho descaminhado e não percebiam porque insistia todos os dias em olhar para o mar. Ele respondia dizendo que a mulher se tinha desmaterializado porque tinha virado sereia e, porque ele não sabia nadar, esperava por ela na margem, onde um dia, naquela rocha, a havia beijado.

Consta que ele também se esfumou e virou lapa. Naquela rocha niguém mais se voltou a sentar nem a beijar.

quarta-feira, maio 13, 2009

Pele 29

Foto de Alberto Monteiro




And you may find yourself living in a shotgun shack
And you may find yourself in another part of the world
And you may find yourself behind the wheel of a large automobile
And you may find yourself in a beautiful house,
with a beautiful Wife
And you may ask yourself

-well...how did I get here?

Letting the days go by
let the water hold me down
Letting the days go by
water flowing underground
Into the blue again
after the moneys gone
Once in a lifetime/water flowing underground.

And you may ask yourself
How do I work this?
And you may ask yourself
Where is that large automobile?
And you may tell yourself
This is not my beautiful house!
And you may tell yourself
This is not my beautiful wife!
Same as it ever was...
Same as it ever was...
Same as it ever was...
Same as it ever was...
Water dissolving...and water removing
There is water at the bottom of the ocean
Carry the water at the bottom of the ocean
Remove the water at the bottom of the ocean!

Same as it ever was...
Same as it ever was...
Same as it ever was...
Same as it ever was...


quinta-feira, abril 23, 2009

Séries 32

Foto de Paula


O que é a realidade? Dizem alguns cientistas que é o que nos queremos ver. Um jogo de espelhos?

Bom, as divagações à volta de umas garrafas de cerveja, mijam-se, arrotam-se e passam. No entretanto, na sala ao escura ao lado os objectos dançam a seu belo prazer.

quarta-feira, abril 08, 2009

Ambiências 50


Cape Town, Africa do Sul, Abril, 2009


Já tinha ouvido bastantes descrições de Cape Town. Todas elas foram insuficientes perante a estranha beleza daquela cidade e arredores. Nem parece África. É uma mistura de modernismo arquitectónico, praias e glamour, montanhas e quintas vinícolas.


Cape Town, Africa do Sul, Abril, 2009
Foto de Francisco Máximo

A cidade parece um grande centro financeiro onde nada está ao acaso. Restaurantes, bares, diversão nocturna, clubes, museus e muita arte e cultura. Fora da cidade, as grandes avenidas marginais serpenteiam a costa com casas luxuosas que se espalham pelos declives até ao mar.

Cape Town, Africa do Sul, Abril, 2009

Foto de Francisco Máximo



Cape Town, Africa do Sul, Abril, 2009

Pelo meio percebe-se que o apartheid deixou marcas profundas na população negra e que ainda hoje os bairros segregados dos trabalhadores sao guetos no meio do luxo e da sumptuosidade de toda aquela região. É estranhamente bela...

quarta-feira, março 25, 2009

Séries 31

Foto de Bruno Espadana


Partilho convosco mais uma deliciosa crónica de Mia Couto.

A Crónica de Mia Couto
"Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é que, para sermos empresários, não precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos de empresas."


- Meu querido marido, escutou o noticiário?
- Não. Há novidades importantes?
- Diz o noticiário que você deixou de ser ministro.
- Afinal, eu ainda era ministro?
- Disseram que era. Não sabia?
- Tinha uma vaga ideia. Mas acho que se enganaram, também estes jornalistas divulgam cada coisa, sabe como é: jornalismo preguiçoso...
- Mas aquilo era um comunicado oficial. E disseram claramente o seu nome. Eu não fazia ideia. Pensei que era só empresário.
- Ai é? Saí no noticiário? Mostraram a minha foto?
- Não. Mas, diga-me lá, marido, você era Ministro de quê?
- Ministro dos Assuntos Gerais. Uma coisa assim... Já agora, você reparou se disseram quem era o novo ministro?
- É um dos anteriores vice-ministros.
- Afinal havia mais que um?
- Havia sete vice-ministros.
- Sete? Eh pá, aquilo não era um Ministério, era um Vice-Ministério.
- Fica triste, marido?
- Bom, pá, paciência. Mais importante são os meus cargos nas 15 grandes empresas.
- Ontem, no nosso jantar, você disse que eram 35...
- Minha querida, você escutou mal. Não há, no país inteiro, 35 grandes empresas. Aliás, a maior parte dos empresários de sucesso ainda anda à procura de empresas.
- Não entendo essa matemática.
- É que, no nosso país, há mais empresários que empresas.
- Trinta e cinco... Trinta e cinco são os nossos anos de casados. E estou tão orgulhosa de si, meu ex-ministro, você foi sempre tão ambicioso...
- Ambicioso, não. Ganancioso.
- E qual é a diferença?
- O ambicioso faz coisas. O ganancioso apropria-se das coisas já feitas por outros.
- Você apropriou-se de mim que fui feita por outros.
- Isso é verdade, cara esposa. Uma coisa é verdade: vai-me fazer falta o poder.
- O poder? Não me diga que lhe está faltar o poder, marido?
- Alto lá, falo apenas do poder político. Quer dizer, a grande vantagem de estarmos no Poder é que, para sermos empresários, não precisamos de empreender nada. A bem dizer, nem precisamos de empresas.
- Mas, marido, eu também tenho empresas, você diz que colocou uma data de empresas em meu nome.
- Tem razão, minha querida. Vou usar das minhas influências e pedir para você ser nomeada Ministra.
- Eu, Ministra? Para quê?
- Que é para, a partir da agora, você abrir empresas em meu nome.

Crónica de Mia Couto, escritor moçambicano, publicada na edição de Fevereiro da revista África 21

terça-feira, março 10, 2009

Pele 28




Parece que atingimos um ponto em que nao ha sistema politico e economico que resista à gula desmedida da espécie humana. Mais do que crise, parece ser a falencia de todos os sistemas que tem como corolario a globalizaçao da pobreza.

quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Séries 30

Boom Festival, Idanha, Portugal, 2004


Ele era um idealista, ou pensava ser. Tinha sérias dúvidas sobre a sua própria ideologia. Nos momentos de introspecção não tinha resposta convincente se o que o movia era uma moda anarquista e esquerdista de oposição ao sistema vigente se era mesmo uma convicção assumida e profunda. Fosse como fosse, sentia-se atraido pela rebeldia e pelo acto de contestação ao sistema.
Não tinha respostas nem alternativas que de facto o convencessem sobre os caminhos que a sociedade deveria trilhar para sair desta espiral que o liberalismo desenfreado a havia colocado. Sentia sim que este caminho não era o seu. Protestava convictamente em todos os eventos que surgiam por esse mundo fora.

Fosse nas marchas antiglobalização, nas manifestações pelos direitos das minorias e das liberdades sexuais, nas manifestações pela libertacao da palestina, do Tibete e de todas as regiões do planeta onde se oprimia a autodeterminação dos povos, nos movimentos ecologistas e nas mais variadas petições sobre os direitos dos animais. Envolvia-se a troco de nada com toda a espécie de ONG que proliferavam como cogumelos em todos os cantos do mundo, daquelas que so se justificam, alimentam, engordam e beneficiam com a desgraça perpétua dos povos ficando para os desgraçados apenas circo de ocasião para justificar todo um sequito da dita ajuda internacional.

O seu ar e o seu modo de vida integrava-se num esteriotipo destes tempos. Rastas, roupas hippies do sec. XXI, saco de plastico com garrafas de alcool que partilhava com os amigos e, obviamente, drogas, de todo o género em todo o género de festas rave.

Nos cada vez mais escassos momentos lucidos que tinha dava por si a pensar que a sua relação com o alcool e as drogas, que todos os circuitos que percorria faziam dele apenas mais um mainstream neste mundo globalizado. Afinal aquilo que pensava que o distinguia do mainstream, a sua consciencia rebelde e antisistema não passava de mais uma instrumentalização criada pelo proprio sistema para lucrar e se perpetuar.

E com este pensamento deprimente e inquietante deciciu tomar uma atitude: tomou de um trago uma garrafa de vodka barato acompanhado com umas trips. Estava pronto para mais uma batalha.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Ambiências 49

Ilha do Sal, Cabo Verde, 2005



Há dias falava da cultura do "estou à pidir" tão caracteristica do povo moçambicano. Falei e disse que a conclusão não era minha era dos proprios moçambicanos.

Já tinha dados de sobra para concordar com eles, mas este fim-de-semana que passou, se dúvidas ainda houvessem, ficaram todas dissipadas.

Venho de carro numa estrada de terra batida que fazia a ligação entre a estrada nacional que liga Maputo ao Norte e a costa, em Zongoene, bem no meio da Provincia de Gaza e perto de Xai-Xai, a capital.

A estrada rasgava paisagens verdejantes e cheias de água. Campos de arroz, plantações de bananeiras, milho, mangueiras e outras culturas compunham o cenário de uma forma harmoniosa e bela.

De repente, quando conduzia admirando a paisagem e as aldeias que ia atravessando, numa subida, vejo subitamente um moçambicano que vinha de bicicleta em sentido contrário e totalmente fora de mão. Páro imediatamente o carro e nem tenho tempo de buzinar, o dito ciclista que vinha a aproveitar a descida, ao ver o carro, atrapalha-se e vem violentamente embater na frente do carro voando por cima do capot e estatelando-se no meio do chão.

Saio do carro preocupado com o estado de saúde do moçambicano e depressa percebo que está bem apenas com uma pequena ferida superficial no joelho. Entretanto vou ver o estado em que o carro tinha ficado e vejo a grelha e o capot amachucados pela bicicleta e pelo corpo.

Depressa percebo que não há policia a quem me queixar, o dito ciclista nao teria dinheiro para me pagar fosse o que fosse dos estragos e digo-lhe zangado que ele tinha que ter atenção quando andava de bicicleta. Agora eu tinha que arcar com o prejuízo causado pela sua negligência.

Ele olha para mim e sente-se ainda no direito de me pedir dinheiro para tratar do joelho e de outras maleitas que entretanto ja se dispunha a enumerar, sem qualquer tipo de sentimento de culpa ou de responsabilidade pelos seus actos.

Que parasita, Irra!

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Retratos 30


O povo moçambicano é um povo extremamente critico de si próprio. Consideram-se habilidosos na fala e andam sempre a desenvolver esquemas para ver se tiram beneficios com o menor esforço possivel. A cultura do "estou a pidi". A conclusão não é minha, surge das conversas e das conclusões que eles próprios tiram da sua autoanálise.
Neste aspecto o consenso dos moçambicanos parece ser geral. Tudo se critica, mas alguém que se chegue à frente e faça. Nessa altura, os mais altos olham para fora à espera que alguém apoie a causa.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Social 17

Recebi um texto escrito pelo Mia Couto que não resisto a partilhar.
O "jet-set" moçambicano, por Mia Couto
Já vimos que, em Moçambique, não é preciso ser rico. O essencial é parecer rico. Entre parecer e ser vai menos que um passo, a diferença entre um tropeço e uma trapaça. No nosso caso, a aparência é que faz a essência. Daí que a empresa comece pela fachada, o empresário de sucesso comece pelo sucesso da sua viatura, a felicidade do casamento se faça pela dimensão da festa. A ocasião, diz-se, é que faz o negócio. E é aqui que entra o cenário dos ricos e candidatos a ricos: a encenação do nosso "jet-set". O "jet-set" como todos sabem é algo que ninguém sabe o que é. Mas reúne a gente de luxo, a gente vazia que enche de vazio as colunas sociais. O jet-set moçambicano está ainda no início. Aqui seguem umas dicas que, durante o próximo ano, ajudarão qualquer pelintra a candidatar-se a um jet-setista. Haja democracia! As sugestões são gratuitas e estão dispostas na forma de um pequeno manual por desordem alfabética:

Anéis - São imprescindíveis. Fazem parte da montra. O princípio é: quem tem boa aparência é bem aparentado. E quem tem bom parente está a meio caminho para passar dos anéis do senhor à categoria de Senhor dos Anéis O jet-setista nacional deve assemelhar-se a um verdadeiro Saturno, tais os anéis que rodeiam os seus dedos. A ideia é que quem passe nunca confunda o jet-setista com um magaíça*, um pobre, um coitado. Deve-se usar jóias do tipo matacão, ouros e pedras preciosas tão grandes que se poderiam chamar de penedos preciosos. A acompanhar a anelagem deve exibir-se um cordão de ouro, bem visível entre a camisa desabotoada.

Boas maneiras - Não se devem ter. Nem pensar. O bom estilo é agressivo, o arranhão, o grosseiro. Um tipo simpático, de modos afáveis e que se preocupa com os outros? Isso, só uma pessoa que necessita de aprovação da sociedade. O jet-setista nacional não precisa de aprovação de ninguém, já nasceu aprovado. Daí os seus ares de chefe, de gajo mandão, que olha o mundo inteiro com superioridade de patrão. Pára o carro no meio da estrada atrapalhando o trânsito, fura a bicha**, passa à frente, pisa o cidadão anónimo. Onde os outros devem esperar, o jet-setista aproveita para exibir a sua condição de criatura especial. O jet-setista não espera: telefona. E manda. Quando não desmanda.
Cabelo - O nosso jet-setista anda a reboque das modas dos outros. O que vem dos americanos: isso é que é bom. Espreita a MTV e fica deleitado com uns moços cuja única tarefa na vida é fazer de conta que cantam. Os tipos são fantásticos, nesses vídeo-clips: nunca se lhes viu ligação alguma com o trabalho, circulam com viaturas a abarrotar de miúdas descascadas. A vida é fácil para esses meninos. De onde lhes virá o sustento? Pois esses queridos fazem questão em rapar o cabelo à moda militar, para demonstrar a sua agressividade contra um mundo que os excluiu mas que, ao que parece, lhes abriu a porta para uns tantos luxos. E esses andam de cabelo rapado. Por enquanto.
Cerveja - A solidez do nosso matreco vem dos líquidos. O nosso candidato a jet-setista não simplesmente bebe. Ele tem de mostrar que bebe. Parece um reclame publicitário ambulante. Encontramos o nosso matreco de cerveja na mão em casa, na rua, no automóvel, na casa de banho. As obsessões do matreco nacional variam entre o copo e o corpo (os tipos ginasticam-se bem). Vazam copos e enchem os corpos (de musculaças). As garrafas ou latas vazias são deitadas para o meio da rua. Deitar a lata no depósito do lixo é uma coisa demasiado "educadinha". Boa educação é para os pobres. Bons modos são para quem trabalha. Porque a malta da pesada não precisa de maneiras. Precisa de gangs. Respeito? Isso o dinheiro não compra. Antes vale que os outros tenham medo.
Chapéu - É fundamental. Mas o verdadeiro jet-setista não usa chapéu quando todos os outros usam: ao sol. Eis a criatividade do matreco nacional: chapéu, ele usa na sombra, no interior das viaturas e sob o tecto das casas. Deve ser um chapéu que dê nas vistas. Muito aconselhável é o chapéu de cowboy, à la Texana. Para mostrar a familiaridade do nosso matreco com a rudeza dos domadores de cavalos. Com os que põem o planeta na ordem. Na sua ordem.

Cultura - O jet-setista não lê, não vai ao teatro. A única coisa que ele lê são os rótulos de uísque. A única música que escuta são umas "rapadas e hip-hopadas" que ele generosamente emite da aparelhagem do automóvel para toda a cidade. Os tipos da cultura são, no entender do matreco nacional, uns desgraçados que nunca ficarão ricos. O segredo é o seguinte: o jet-setista nem precisa de estudar. Nem de ter Curriculum Vitae. Para quê? Ele não vai concorrer, os concursos é que vão ter com ele. E para abrir portas basta-lhe o nome. O nome da família, entenda-se.
Carros - O matreco nacional fica maluquinho com viaturas de luxo. É quase uma tara sexual, uma espécie de droga legalmente autorizada. O carro não é para o nosso jet-setista um instrumento, um objecto. É uma divindade, um meio de afirmação. Se pudesse o matreco levava o automóvel para a cama. E, de facto, o sonho mais erótico do nosso jet-setista não é com uma Mercedes. É, com um Mercedes.
Fatos - Têm de ser de Itália. Para não correr o risco do investimento ser em vão, aconselha-se a usar o casaco com os rótulos de fora, não vá a origem da roupa passar despercebida. Um lencinho pode espreitar do bolso, a sugerir que outras coisas podem de lá sair.
Óculos escuros - Essenciais, haja ou não haja claridade. O style - ou em português, o estilo - assim o exige. Devem ser usados em casa, no cinema, enfim, em tudo o que não bate o sol directo. O matreco deve dar a entender que há uma luz especial que lhe vem de dentro da cabeça. Essa a razão do chapéu, mesmo na maior obscuridade.
Simplicidade - A simplicidade é um pecado mortal para a nossa matrecagem. Sobretudo, se se é filho de gente grande. Nesse caso, deve-se gastar à larga e mostrar que isso de país pobre é para os outros. Porque eles (os meninos de boas famílias) exibem mais ostentação que os filhos dos verdadeiros ricos dos países verdadeiramente ricos. Afinal, ficamos independentes para quê?
Telemóvel - Ui, ui, ui! O celular ou telemóvel já faz parte do braço do matreco, é a sua mais superior extremidade inferior. A marca, o modelo, as luzinhas que acendem, os brilhantes, tudo isso conta. Mas importa, sobretudo, que o toque do celular seja audível a mais de 200 metros. Quem disse que o jet-setista não tem relação com a música clássica? Volume no máximo, pelo aparelho passam os mais cultos trechos: Fur Elise de Beethoven, a Rapsódia Húngara de Franz Liszt, o Danúbio Azul de Strauss. No entanto, a melodia mais adequada para as condições higiénicas de Maputo é o Voo do Moscardo.

Última sugestão: nunca desligue o telemóvel! O que em outro lugar é uma prova de boa educação pode, em Moçambique, ser interpretado como um sinal de fraqueza. Em Conselho de Ministros, na confissão da Igreja, no funeral do avô: mostre que nada é mais importante que as suas inadiáveis comunicações. Você é que é o centro do universo!

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Ambiências 48


Maputo em Janeiro é o equivalente a Lisboa em Agosto. Anda tudo parado e nada desenvolve. As empresas praticamente desertas e todos os negocios estao em banho-maria.


Nestas condiçoes resta pouco para fazer que nao seja fazer também pequenas ferias nos fins-de-semana.


Relativamente perto de Maputo encontra-se o Kruger National Park, um parque natural de dimensoes proporcionais ao tamanho da Africa do Sul.



Este parque, célebre em toda a Africa, reune uma enorme variedade de habitats e de espécies selvagens.


Ao fim de um dia a percorrer e explorar a enorme rede de caminhos e estradas que o Parque oferece é possivel ter observado imensas espécies selvagens e, com um pouco de sorte, ver os big five.


Kruger Park, Africa do Sul, Janeiro de 2009
Os big five sao: elefantes, leopardos, rinocerontes, bufalos e leos.


Bem tentei olhar horas e horas para todas as arvores à procura de leopardos mas ainda nao foi desta...

terça-feira, janeiro 13, 2009

Ambiências 47


Porque o mundo é cada vez mais pequeno, tão depressa estamos em Moçambique como em Portugal como em qualquer outra parte do mundo. Depois de Lisboa, dos encontros familiares para celebrar a época da família e dos amigos que mais prezo, uma passagem por Itália, um país que cada vez mais me é familiar. Em Itália, decidiu-se celebrar o novo ano em Veneza, cidade com uma carga romântica especial e com um ambiente, de facto, único no mundo.

Em Veneza, a passagem de ano era subordinada ao tema do amor, “Love 2009” e consistia basicamente em celebrar a entrada do novo ano com um beijo colectivo na Praça de S. Marcos. Pretendiam os organizadores do evento demonstrar ao mundo que o amor ultrapassa todas as barreiras sociais, credos, cor e raças e que o entendimento entre todos os povos é sempre possível desde que se abra o coração aos outros. Uma forma alternativa de combater a depressão colectiva que de repente e sem aviso se abateu sobre o mundo ocidental.
O conceito agradou-nos, (não fazia sentido celebrar o amor sozinho) e o local parecia o mais apropriado para o efeito e, assim, partimos rumo a Veneza, à Praça de S. Marcos, armados de algumas garrafas de espumante Franciacorta, com o peitos abertos e receptivos à celebração do amor simbolizado num beijo colectivo para iniciar 2009.

Caminhámos por entre as estreitas ruelas de Veneza debaixo de um frio intenso e anormal, aquecidos pelas emoções que carregávamos connosco e pelo tal espumante que já borbulhava dentro dos nossos corpos. As ruas estavam cheias de viajantes vindos de toda a parte e fervilhavam de boa disposição e, claro, não faltavam pequenos bares que serviam de paragens quase obrigatórias para repor o calor dos corpos que se começavam a ressentir da temperatura exterior. Chegados à Praça de S. Marcos, o cenário prometia. Um palco ao fundo e virado para a Basílica de S. Marcos animava as dezenas de milhares de espectadores que iam festejando a ocasião.

Por acaso, ou não, porque estas histórias do acaso tem pano para mangas, e agora, já em Maputo com um calor de inchar, falar em mangas é coisa que me afronta, o acaso, dizia eu, fez com que no exacto momento em que chegámos ao local do evento, subisse ao palco um casal que ia afirmar o tal conceito de que o amor é universal. Ela, moçambicana, de Pemba – local que nos havia encantado 3 meses antes – e ele austríaco. A coincidência foi enorme, porque em Pemba, havíamos estado em casa de um austríaco que estava com uma moçambicana para festejar o seu aniversário.

Esta coincidência encheu-nos de alegria e surpresa e ainda hoje não sabemos se seriam eles ou não. O que sabemos é que mesmo numa passagem de ano em Itália a terra onde agora vivemos estava representada e fez-se ouvir.

Chegada a meia-noite, o amor celebrou-se colectivamente com uma intensidade e emoção genuínas. Depois, o tradicional fogo de artifício e, enquanto toda a gente olhava para o ar para apreciar as cores e os efeitos do fogo, começaram a cair flocos do céu. 2009 brindou-nos a todos com neve que começou nessa altura a cair intensamente. Eu, português habituado a climas bem mais temperados, vivi o momento com regozijo. Um regozijo que entretanto deu lugar à estupefacção porque findo o fogo de artifício, o palco apagou-se e a festa para todos aqueles milhares de pessoas, acabou!

Nem queria acreditar que um evento daqueles, naquela ocasião, acabasse no exacto momento em que deveria começar! A alternativa para os milhares de pessoas era a neve, os pequenos bares, as ruas labirínticas ou as banheiras quentes cheias de espuma.

A Itália, como o resto da Europa, andam a viver momentos incaracterísticos e estão a perder qualidades. Cada vez mais parece que já não é o que era!

Bem vindos a Moçambique!
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