domingo, abril 25, 2010

Social 19


Já todos sabemos que África é um continente recheado de desigualdades, de abusos, tiranias e atropelos aos direitos humanos. No fundo, a exportação cristalizada do pior da sociedade ocidental. Algumas diferenças profundas porém, existem ainda vincadamente nos dias de hoje e que se prendem com crenças e surpestições.


Vinho, Moçambique, Outubro de 2007

Há dias, em conversa com um amigo moçambicano, de uma geração mais jovem e informada, que trabalha no sector da saúde, dizia-me, para meu espanto e arrepio, que o número de crianças violadas e infectadas com doenças sexualmente transmissíveis que entram todos os dias no Hospital Central de Maputo, é assustador. E explicou-me as causas que dão origem a tão desumana realidade: a crença irracional e ignorante.



Serra da Gorongosa, Moçambique, Março de 2008

Estando eu fora deste contexto, pedi mais explicações. Explicou-me que, uma vez que o número de adultos infectados por sida e por um sem número de doenças venéreas é tão elevado e leva a maioria dos infectados a um destino quase certo, a morte, que acreditam que a única hipótese de salvação e cura é passarem as doenças às crianças, que são puras e, segundo eles, imunes. Sabia de uma série de crenças absurdas que por aqui proliferam, mas não fazia ideia que a realidade descesse a este ponto horrorosamente absurdo.

quarta-feira, abril 14, 2010

Ambiências 54

Monapo, Moçambique, Janeiro de 2010
No príncipio deste ano fiz uma viagem por Moçambique para um destino há muito desejado: A Ilha de Moçambique, a primeira capital deste país. Depois do voo até Nampula, um taxista expedito diz-me que aquela hora (10:00 da manhã) já não haviam chapas (transporte público, vulgo autocarro) para a ilha. Perante a admiração e as queixas lá começou a fazer uns telefonemas. Ao terceiro, parecia ter descoberto uma alternativa de transporte. Um amigo tinha um chapa e, disse, estava com sorte pois estava quase a partir para a ilha. Lá nos apressámos e uns minutos depois encontrámos o tal chapa, cheio de gente, quase a iniciar a viagem.

Combinámos o preço, e demos início à viagem para o destino há tanto esperado. O chapa roncava no esforço que fazia a cada metro que ganhava à estrada e, num ritmo demasiado rápido para o degradado estado geral daquela espécie de viatura, lá nos fomos aproximando do destino.

Cerca de duas a três horas depois, numa longa subida que atravessava uma aldeia, Monapo, o chapa começou a gaguejar. Gaguejou, gaguejou, até que o motorista decidiu parar. De imediato, a tripulação (motorista, cobrador e ajudante) começaram a movimentar-se com uma estratégia que parecia já muitas vezes implementada. Mandaram sair os passageiros, levantaram os bancos da frente deixando um motor cansado e cheio de arames a segurarem as mais variadas peças e iniciaram um trabalho que aparentava ser já muito familiar. É bom sinal, pensei, é uma avaria frequente e para a qual a solução é sobejamente conhecida e experimentada.

Enquanto decorriam os trabalhos de reanimação do chapa, olhei para as pessoas que haviam saído e não deixei de me surpreender pela multidão de passageiros que começaram a procurar lugares à sombra, para iniciarem a espera. Toda aquela situação era encarada com enorme naturalidade e não havia lugar a nenhum protesto.



Monapo, MOçambique, Janeiro de 2010



Sem nada para fazer, passeei pela aldeia que entretanto tinha caído em peso à volta do chapa para gozar a novidade do dia. A excitação era geral e aumentou quando viram que no chapa vinham uns molungos (brancos no dialecto changana). As crianças pediam para serem fotografadas, os adultos pediam dinheiro, enfim, um cenário quotidiano que há muito me habituei.
Entretanto, o motorista-mecânico cortava tampas de garrafinhas de água para improvisar anilhas que eram necessárias colocar não sei bem aonde. Após sucessivas tentativas de reanimação, o motorista-mecãnico declarou o estado de coma do chapa e percebi que a viagem iria acabar naquele lugar no meio de nada. A nossa última referência do trajecto era um cruzamento lá bem atrás que se chamava de "quatro caminhos". Sem sabermos bem o que fazer, decidimos tirar os troleis do tejadilho e começámos a andar a pé, em direcção aos quatro caminhos, à procura de algum veículo com motor que nos pudesse dar boleia até à ilha. A ansiedade começava a pairar nos espíritos porque fazia mais de uma hora que nenhum motor havia passado e a noite aproximava-se a passos largos.

E foi nesse passo que os molungos começaram a andar, puxando troleis, à procura de qualquer coisa que nos fizesse chegar ao destino. Os locais, apreciavam o episódio com uma satisfação crescente perguntando-nos onde íamos. Aos quatro caminhos respondiamos nós sem fazer bem ideia da caminhada que nos esperava.

Finalmente, apareceu uma camioneta que imediatamente parou e viu a oportunidade de fazer uns meticais extras num transporte de molungos. Mais uma vez, negociou-se o preço, desta vez inflaccionado devido às circunstâncias, e lá embarcámos junto das mais variadas mercadorias na caixa da camioneta, a caminho da ilha.

Chegámos ao pôr-do-Sol. À nossa frente uma extensa e fina ponte que deixava circular apenas uma viatura. Uns quilómetros ao fundo, um pequeno pedaço de terra que começava a ganhar definição: A Ilha de Moçambique.



Ilha de Moçambique, Janeiro de 2010

Chegádos à ilha, rapidamente percebemos que esta está dividida em duas zonas, a zona colonial, onde os vestígios de construção colonial estão fortemente presentes e uma outra zona, densamente povoada pelos habitantes locais e onde as palhotas e barracas de tectos de zinco abundam em ruelas sujas e estreitas.

A zona colonial apresenta imensas zonas com casas degradadas, ocupadas por famílias numerosas. A espaços veêm-se casas reabilitadas que deixam adivinhar interiores de tectos altos e divisões espaçosas. As casas aqui tem uma semelhança enorme com as casas senhoriais alentejanas, paredes grossas, caiadas de branco ou em tons ocres, com as faixas de tinta azul ou amarela que rodeiam as janelas e as portas.

Ilha de Moçambique, Janeiro de 2010

Na praça principal, que rodeia a antiga casa do governador, hoje um museu em reabilitação paga por avultados fundos da cooperação portuguesa, existe o típico largo do coreto, sobranceiro ao mar que se encontra a poucos metros.

A ilha está recheada de marcas arquitéctónicas tipicamente portuguesas, igrejas, casas e ruas com marcas do sul de Portugal, o Alentejo. Até os azulejos dos interiores das cozinhas são iguais aos azulejos das casas senhoriais alentejanas com padrões geométricos que criam ilusões ópticas. Os mesmos que vi na minha infância quando ia a Évora passar os natais.



Ilha de Moçambique, Janeiro de 2010
Algumas ruas, onde existem lojas e restaurantes já reabilitados, são ladeadas por arcadas que fazem sombra e tentam dar um ar mais fresco de proteção do Sol inclemente e do calor abrasador e húmido que se faz sentir no Verão. Mais uma vez me parece estar a reviver momentos passados em Évora.


Ilha de Moçambique, Janeiro de 2010

Noutra zona, no cimo de um terraço de uma casa magnífica, agora transformada num simpático e acolhedor restaurante italiano, avista-se numa das ruas principais uma construção imponente mas infelizmente muito degradada: o hospital da Ilha. O aspecto interior faz temer pela saúde dos habitantes da ilha.




Ilha de Moçambique, Janeiro de 2010

Calcorreando as ruelas da ilha cruzamo-nos com uma população maioritariamente muculmana, simpática e hospitaleira. Numa ruela descubro uma madrassa, uma escola muçulmana, onde os meninos desde pequenos aprendem o islão.


Ilha de Moçambique, Janeiro de 2010

A professora convida-me a entrar, explica-me que trabalha com um grupo numeroso de crianças orfãs e assisto a uma demonstação dos meninos. Começam a recitar de cor os textos do Alcorão. Não percebo uma palavra, mas percebo que falam fluentemente, sinal de que a lição está bem aprendida.




Ilha de Moçambique, Janeiro de 2010

E passeando naquelas ruas rapidamente se percebe que o ritmo do tempo é vagaroso, as pessoas pouco têm que fazer e matam o tempo esperando que qualquer coisa surja, qualquer coisa lhes dê motivos para se ocuparem. Parecem de facto ancorados num tempo que flui lentamente, sem sonhos e sem grandes novidades que os animem.
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