quinta-feira, junho 12, 2008

Séries 25



O dia corria igual a tantos outros, não fora a presença daquela ainda estranha companheira de casa. Ele estava habituado a um quotidiano sem regras em que a rotina era a sua própria inexistência e, para dizer a verdade, pouco parava em casa, preferia umas cervejas na companhia de quem calhasse até que o cansaço o vencesse e o levasse para a cama, muitas vezes fora de horas, muitas vezes só, outras vezes acompanhado por alguém que lhe servia os propósitos da carne. Nesse capítulo da sua vida, era egoísta, usava nos seus próprios termos e no seu belo prazer e descartava, como quem usa uma pastilha elástica esperando que ela liberte todo o seu suco sem ter que dar uma única mastigadela.

Os primeiros raios de luz que o faziam despertar eram muitas vezes penosos e agressivos. O corpo fazia-o lembrar com dor dos excessos que cometia e da falta de comida que se esquecia de ingerir. É, insistia em enganar o corpo com álcool e com álcool combatia a ressaca.

Agora, porém, a presença daquela alma que subitamente lhe apareceu em casa numa dessas noites perdidas no tempo e que, sabe-se lá porquê, foi ficando noite após noite e dia após dia, estava-lhe a provocar mudanças no seu quotidiano.

Comia agora melhor, preocupava-se com a alimentação e a verdade é que cada dia que passava o seu apetite ia ficando cada vez mais voraz. Permitia-se agora, em momentos de rara intimidade, depois de autênticos repastos para os sentidos que ela carinhosamente lhe preparava, dizer - És tão boa para mim! Mas depressa acrescentava sofregamente com toda a gula e luxúria que aos poucos se libertavam e o dominavam - Quero mais!

Um dia, quis demais. E quis nos seus próprios termos, aqueles em que afinal estava habituado e com os quais pautava até aí a sua vida solitária. E sem que uma única lágrima dela se soltasse, morreu, só, espojado, de barriga para o ar, afogado com o seu próprio vómito de cerveja. Ela, comprou uma flor em sua honra e atirou-a ao mar, esperando que a corrente a levasse para bem longe porque afinal ela era uma sobrevivente e sempre acreditou que em cada esquina, a vida, tal como a morte, espreitam.

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