domingo, dezembro 02, 2012

Social 34


Fotografia de António Silva (Agência Lusa)


Está a decorrer em Maputo uma iniciativa inédita em Moçambique. Um planetário insuflável está a ser utilizado para dinamizar a Astronomia em Maputo. O público-alvo são os alunos e professores da Escola Portuguesa de Moçambique e de duas escolas públicas moçambicanas, a Josina Machel e a Francisco Manyanga. No total, mais de mil alunos serão abrangidos por esta atividade.

Esta iniciativa, no âmbito do projeto "O céu nas nossas mãos" resultou de uma parceria da Escola Portuguesa de Moçambique, do Centro de Ciência Viva de Sintra e teve a colaboração e o apadrinhamento do Ministério de Educação de Moçambique, que se fez representar ao mais alto nível. 

A sessão de abertura foi amplamente difundida nos principais órgãos de comunicação social de Moçambique, jornais e televisões. Os ecos desta iniciativa propagaram-se também a Portugal através da RTP África, da agência Lusa e do site do Pavilhão do Conhecimento de Lisboa.

O mais gratificante, foi a reação dos alunos às sessões exibidas. No fina de cada sessão, maravilhados com a experiência, tinham sede de beber conhecimento, colocando sempre muitas perguntas, muitas verdadeiramente surpreendentes. A expressão que um dos alunos moçambicanos utilizou e que ficará na memória desta iniciativa foi, quando estava dento do planetário e perguntado se já tinha visto um planetário antes, ele respondeu: "Sim, nos meus sonhos..."

segunda-feira, novembro 12, 2012

Social 33




Conduzir nas ruas de Maputo à noite tornou-se uma tarefa a raiar o insuportável!

Depois desta frase, várias perguntas se levantam na mente de quem a leu:
-   
-        Será perigoso porque o transito é insuportável e os condutores são inconscientes e a palavra civismo e o respeito mínimo pelas regras de trânsito são conceitos desconhecidos no léxico dos condutores moçambicanos?
-       Será perigoso porque a cidade à noite tornou-se perigosa na convivência, com encontros indesejáveis protagonizados por gangues malfeitores?
-       Será perigoso porque as estradas estão em tão mau estado que conduzir sem ter um acidente ou sem danificar o carro é uma improbabilidade cada vez menor?
-        
Bom, diria que qualquer uma destas perguntas corresponderia a uma boa resposta á afirmação anterior mas a verdade é que o problema principal é a polícia.

A polícia, que supostamente está para proteger o estado de direito, as liberdades e garantias dos cidadãos, é uma entidade a evitar a todo o custo. Porquê? Porque o assédio à corrupção, ao refresco está a atingir limites insuportáveis.

Exemplo:

Polícia: mostre-me a carta e os documentos do carro!
Cidadão: com certeza sr. Agente.
Interregno: Polícia a olhar para os documentos sem nenhum interesse e sem nenhum profissionalismo na autenticidade dos documentos.
Polícia: você bebeu! Vai ter que ir à esquadra fazer o teste de álcool!
Cidadão: Não sr. Agente, não bebi e não tenho nenhum problema em fazer o teste.
Polícia: tem que nos acompanhar à esquadra para fazer o teste!
Cidadão: Sr. Agente, não vou a lugar nenhum, se quiser fazer-me o teste estou aqui disponível, traga a máquina e eu faço.
Polícia: Está a desrespeitar a minha ordem?
Cidadão: Não sr. Agente, mas não me vou deslocar a lugar nenhum, estou aqui disponível para fazer o teste.
Polícia: Vejo que está nervoso! Vejo que está a desrespeitar uma ordem da autoridade moçambicana! Eu tenho algemas e vou ter que o prender por desrespeitar a República de Moçambique!!!
Cidadão: Não sr. Agente, não estou a desrespeitar nenhuma ordem, estou disponível para fazer o teste, mas não vou sair daqui e não vou conduzir para nenhuma esquadra...
Polícia: você não está a colaborar comigo e vai arranjar problemas!
Cidadão: mas sr. Agente estou aqui a colaborar e a mostrar-me disponível para fazer o teste de álcool que o sr. quiser que eu faça!
Polícia: você sabe como evitar estes problemas, está frio, é tarde e se todos colaborarmos estaremos todos em casa daqui a pouco...
Cidadão: sr. Agente você está a pedir que eu o suborne? Que lhe dê um refresco? Mas porquê se eu estou legal, os meus documentos estão legais e eu não cometi nenhuma ilegalidade?
Polícia: você está a dizer que eu lhe pedi refresco? Você está a insultar a polícia da República de Moçambique? Posso prendê-lo por isso!!!
Cidadão: mas então em que ficamos?
Polícia: É tarde, podemos resolver isto e irmos todos para casa...
Cidadão: Sr. Agente, sabe qual é a minha profissão? Sou professor! Sabe o que eu ensino aos meus alunos? Que a honestidade é uma característica que cada um de nós tem que ter exigir aos outros!
Polícia: você é professor?
Cidadão: Sou! E não tenho que pagar nada porque ando a circular nas ruas de Maputo à noite! Não bebi, tenho os documentos em ordem!
Polícia: Pai! Estamos aqui uns para os outros! Eu tenho frio...
(chegado a este ponto, no mínimo 20 a 30 minutos de confronto e ameaças, a história diverge consoante o polícia)

Final alternativo 1:
Cidadão: Sr. Mas nós vamos cansar um ao outro? Sabia que os homens à medida que envelhecem dormem cada vez menos? Se quiser cansar-me, vamos ficar os dois aqui a noite toda, mas eu amanhã estou melhor que você, porque preciso de dormir menos!
Polícia: (onomatopeica)Uhhha! Você é velho?
Cidadão: que idade é que você tem?
Polícia: 24!
Cidadão: tem quase a idade do meu filho mais velho!
Polícia: Pai, afinal, vamos todos dormir...
Cidadão: Bom descanso...

Final alternativo 2:
Cidadão: Sr. Tenho vários filhos, não sou rico, não tenho que pagar dinheiro a você!
Polícia: Quantos filhos você tem?
Cidadão: Seis! De três mulheres!
Polícia: (onomatopeica) shêee! Eu tenho três! Mas quando chegar à sua idade terei dez!
Cidadão: Felicidades sr. Agente! Espero que os consiga sustentar!
Polícia: Hei de conseguir! Bom descanso pai!

Final alternativo 3:
Polícia: Sr. Vamos lá resolver isto!
Cidadão: Vamos! Quero ir para casa, não estou a transgredir nenhuma lei do código da estrada!
Polícia: Tá bom! Boa noite!

Estas histórias que vos conto, demoraram entre 30 a 45 minutos de luta com a polícia. Asseguro-vos que nas sextas e nos sábados estas histórias repetem-se por três!!

Conclusão: a miséria é uma condição pantanosa!

terça-feira, julho 17, 2012

Sugestão 15 - Ghorwane





No ambito da cimeira da CPLP que se está a realizar em Maputo, houve ontem um concerto que juntou três nomes consagrados da música moçambicana. Stewart Sukuma, Mingas e Ghorwane.
Ficam aqui uns registos da banda mais antiga que esteve em palco, os Ghorwane. 


Ghorwane é uma banda que se formou em 1983 e o seu nome é o mesmo de um lago na província de Gaza, um lago que nunca seca, diz-se. É uma das bandas mais respeitadas da música moçambicana e o seu estilo mistura-se com várias fusões tradicionais moçambicanas e de outras influências africanas.




A sua história está intimamente ligada à história da libertação e construção do Moçambique independente, com um trajeto recheado de vicissitudes, onde se destacam os assassinatos de dois dos fundadores: Zeca Alage em 1993 e Pedro Langa em 2001.




Ontem brindaram-nos com mais um excelente concerto de que aqui ficam uns registos. Kanimambo!

segunda-feira, julho 09, 2012

Sugestão 14

Finalmente o autor deste blog, decidiu materializar uma pequena parte dos seus registos fotográficos num suporte físico perene: um livro.

Até 2007, o quotidiano em torno do elemento humano era o meu caminho em termos fotográficos. No entanto, naquele ano saí de Portugal para trabalhar num projeto de conservação no Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique.


Esta experiência mudou a minha vida pessoal e criou uma relação mais íntima e cúmplice no olhar sobre a natureza e a vida selvagem. A experiência africana abriu-me novos horizontes que pretendo explorar através da câmara.


Fica a sugestão, um livro de registos da África Oriental, realizados em cinco parques naturais do Quénia e da Tanzânia.

quarta-feira, abril 25, 2012

25-4-12




Passados alguns anos de estar a viver em Moçambique, deixo desta vez, em jeito de celebração desta data e do que ela simboliza para os dois países, um poema de um grande autor moçambicano, José Craveirinha. Um poema cujo nome é 'O meu preço'.

Eu cidadão anónimo
do País que mais amo sem dizer o nome
se é para me dar de corpo e alma
dou-me todo como daquela vez em Chaimite.
Dou-me em troca de mil crianças felizes
nenhum velho a pedir esmola
uma escola em cada bairro
salário justo nas oficinas
filas de camiões carregados de hortaliças
um exército de operários todos com serviço
um tesouro de belas raparigas maravilhando as praias
e ao vento da minha terra uma grande bandeira sem quinas.


Se é para me dar
dou-me de graça por conta disso.


Mas se é para me vender
vendo-me mas vendo-me muito caro.


Ao preço incondicional
de quanto me pode custar este poema. 

terça-feira, março 20, 2012

Ambiências 59

Mombaça, Quénia, Dezembro de 2011


(composição de duas fotografias)


Aquando da minha viagem no Quénia no final de 2011, tinha previsto um itinerário que partiria de Nairobi até ao Oceano Indico, com destino a Mombaça.  Depois de ter pesquisado várias opções, que passariam por avião ou carro, soube de uma terceira opção, o comboio.

Entusiasmado com a ideia de uma viagem de comboio que permitiria viajar e ver regiões mais recônditas do Quénia procurei saber mais informações sobre esta opção. Após algumas pesquisas e trocas de emails com amigos que vivem em Nairobi, percebi que esta viagem era uma excelente opção por conciliar a viagem, a descoberta e a aventura.

O horário previsto era sair de Nairobi às 19:00 h, e chegar a Mombaça às 10:00 da manhã do dia seguinte. O jantar e o pequeno almoço eram servidos na carruagem restaurante e a noite era passada num compartimento com duas camas. Os meus amigos disseram-me que era uma viagem a fazer, agradável e tranquila.

Entretanto, em Nairobi, percebi que o ambiente na cidade era extremamente tenso e que resultava de mais uma crise com o movimento terrorista da milícia radical somali Al Shabab. Tinham havido recentemente combates com este movimento na fronteira da Somália e retaliações com atentados à Granada em Nairobi. Não havia restaurante, centro comercial ou outra zona de acesso público onde não verificassem todas as pessoas, com detetores de metais, revistassem malas ou mochilas e mesmo os carros quando acediam aos parques de estacionamento eram revistados manualmente e com espelhos para o despiste de engenhos explosivos.  Aliás, este conflito não se apaziguou e há uma semana houve um violento atentado numa zona muito movimentada da capital, num terminal de transportes públicos, morreram seis pessoas e várias dezenas ficaram feridas.

Depois de viver esta autentica paranoia securitária própria de um estado de guerra, comecei a pensar se tinha sido boa a opção de viajar de comboio numa viagem tão longa e que parava em tantas localidades, tornando este comboio um alvo apetecido de quem quiser ter atenções mediáticas para alimentar a causa.

Às 18:30, cheguei à estação e deparei-me com milhares de pessoas que se amontoavam na estação à espera do comboio. Curiosamente a entrada na estação não tinha qualquer procedimento de segurança. De início apreensivo, comecei a relaxar depois de conversar com vários turistas das dezenas que lá estavam para apanhar este comboio. Fiquei ainda mais relaxado quando vi muitas famílias de gente dos mais variados lugares do ocidente, com imensas crianças que esperavam com expectativa o comboio.

Às 19:00 como previsto o comboio chegou à gare e fiquei incrédulo com a pontualidade. Enganei-me, o comboio tinha chegado de Mombaça, ia naquele momento para a lavagem, limpeza, ser fornecido de comida e roupa de cama.

Esperei, esperámos todos. Às 23:00 já estávamos todos cansados da espera, com fome, porque era suposto haver um jantar no comboio às 20:00. Às 23:00 chega novamente o comboio, desta vez preparado para partir. Começámos todos a entrar, à procura da carruagem certa naquele comboio gigante que se preparava para transportar milhares de pessoas. Depois de procurar pelas carruagens de 1ª classe que tinham os compartimentos cama, lá as encontrei e arrumei-me.

Como só havia um vagão restaurante, o meu jantar iria ser servido na terceira ronda. Hora prevista 2:00 da manhã. Por volta das 24:00 o comboio iniciou a viagem rumo a Mombaça. Depois de umas cervejas na gare enquanto esperávamos o comboio e o ram-ram do comboio agora em movimento caí num sono profundo. Acordei à 1:30 com o sino que anunciava a segunda leva para o jantar. Adormeci novamente. Acordei às 4:00, obviamente sem jantar. O tempo para o jantar já tinha acabado, explicaram-me amavelmente. Protestei com os atrasos que se convenceram a servir o jantar aquela hora tardia.

Mombaça, Quénia, Dezembro de 2011


Fiquei a olhar atentamente para o comboio, dos anos 50, cheio de pormenores luxuosos para a época, mas que agora já não funcionavam. Ventoinhas nos tetos, lavatório com água no compartimento, luzes de leitura nas camas, tomadas para maquinas de barbear, pormenores que na altura faziam o conforto dos passageiros.

Às 8:00 o calor começa a fazer-se sentir na carruagem e às 11:00 começa a parecer insuportável. Às 15:00 começa a entrar um brisa marítima que refresca um pouco o ar húmido e pesado do comboio. Mombaça está à vista no horizonte. Pelo meio ficaram inúmeras aldeias de gente que só tinha a passagem do comboio para quebrar a rotina diária. No final, uma viagem que durou 20 horas, desconfortável, mas inesquecível.    

quinta-feira, março 08, 2012

Social 32

Foto de Adriano Miranda



Partilho aqui mais uma reflaxão do Mia Couto, muito cáustica sobre os tempos que correm, sobre o não conflito de gerações. Uma reflexão bem caracterísitaca do Mia Couto.


'Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida.

Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e tambémestão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.

Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.

Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.

Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.

Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.Foi então que os pais ficaram à rasca. Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.

Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!

A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.

Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com queo país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.

Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.

Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade quequeimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.

Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável. Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.

Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração? Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!

Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todosnós).

Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.

E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!

Novos e velhos, todos estamos à rasca.Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles. A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. 

Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam.

Haverá mais triste prova do nosso falhanço?'


Acho que o Mia Couto estava bem zangado quando escreveu este texto.

terça-feira, fevereiro 28, 2012

Sugestão 13

Foto de Solange dos Santos

Foto de Solange dos Santos


O Blografias surgiu como um espaço de divulgação de fotografia e fotógrafos portugueses. Esse foi o mote e esse sempre foi o lema deste espaço. Porém, em finais de 2005 abriu-se a primeira excepção, com a divulgação de trabalhos de um fotógrafo angolano, José Silva Pinto. 
Pela segunda vez na história do blografias, abre-se uma nova excepção, desta vez para uma fotógrafa moçambicana, Solange dos Santos. 
A Solange, presenteou Moçambique, e Maputo em particular, com uma magnífica exposição fotográfica e com o lançamento de um livro, chamado Filhos da Lua.

Filhos da Lua, é um trabalho que incide sobre um problema social gravíssimo em África: o albinismo. Mas mais do que dissertar sobre o horror que muitos albinos africanos estão sujeitos, o que me encantou foi a sensibilidade do trabalho realizado pela Solange e pelo Dominique, com um olhar terno mas não lamechas, intenso, alegre e ao mesmo tempo dramático, reservando sempre uma dignidade profunda aos albinos.

Para quem puder deslocar-se a Maputo, visite a exposição que está aberta ao público na Fortaleza. Obrigatório.

domingo, fevereiro 26, 2012

Retratos 37

Maputo, Moçambique, 2011



Vendedor num mercado moçambicano. Uma espécie de centro comercial de barracas onde se vende tudo. Esta era a área da restauração.

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Social 31

Ilha da Boavista, Cabo Verde, 2006




Há interrogações partilhadas por muita gente e que são contradições insanáveis.
A fome é o caminho para a saúde?
A pobreza é o caminho para a confiança dos mercados?
A austeridade selvagem numa recessão é o caminho para a revitalização da economia?
O estrangulamento social é o caminho para a paz?

Alguém me dizia que só a ponta da lança a tocar na pele é que dói, depois do incómodo inicial, ela trespassa o corpo quase de forma indolor.
Felizmente nunca experimentei tal sensação de trespassamento, mas o sentido de violação e a revolta interior é tal, que  indignação que já conquistou a flor da pele facilmente sai na forma de revolta e tumultos.
Como alguém também dizia, não há nada mais perigoso do que um homem que não tem nada a perder.

sábado, janeiro 28, 2012

Retratos 36

Mombassa, Quénia, 2011





O mundo está cheio de atos revoltantes e cheio de hipocrisias. A história que hoje aqui  publico é revoltante, e um dos principais protagonistas foi aclamado publica e hipocritamente como sendo merecedor de um reconhecimento público do seu trabalho... na área da saúde, imagine-se.

O protagonista de tão distinto e público prémio, é um jornalista moçambicano.

O prémio que recebeu há apenas dois meses está noticiado aqui.

O artigo jornalístico que publicou há duas semanas está publicado aqui.

Algumas reações públicas de organizações cívicas estão publicadas aqui, no jornal para onde o jornalista escreve. Sublinhe-se que este jornal, o Notícias, é o jornal com maior tiragem em Moçambique. 


Digo eu,  depois de ter tido conhecimento da violação de uma mulher por 17 homens.

O respeito pelas diferenças culturais é nobre e respeitável. O mundo tem a ganhar se incorporar as diferenças culturais e as subliminar no que de melhor têm. Mas os hábitos culturais só se respeitam até ao limite da violação dos direitos humanos, ultrapassado esse limite, não se respeitam, não se compreendem. Julgam-se, condenam-se e punem-se!

Depois de tudo o que li e - felizmente, ainda há esperança - se escreveu em Moçambique sobre este episódio, deixo algumas interrogações publicadas e partilhadas por mim, sobre este caso.

"Como é possível que um caso de violação sexual de uma mulher moçambicana em Pemba por 17 homens, passa pelas mãos da autoridade policial local e aparentemente nada aconteceu?
Como é possível que um crime desta natureza possa ser “reclassificado” como uma mera ocorrência pelas entidades envolvidas, 17 autores e um mandatário mandados para casa, invocando a desculpa esfarrapada de que envolve religião e tradições, e como tal se justificava?
Como é possível em 2012, que qualquer pessoa, que qualquer entidade,  qualquer tradição, qualquer religião, consiga justificar o crime deliberado da violação em massa de uma mulher, como fazendo parte legítima e constituindo “castigo justificável” , seja em que circunstância for?
Como é possível que a direção e os editores do Notícias de Maputo, deixem passar a limpo nas suas páginas como mera afirmação de uma opinião num sábado, a monstruosidade que é dita quase inexplicavelmente pelo seu cronista de Pemba, que desvaloriza um crime hediondo e efectivamente relega mais do que metade de toda a população de Moçambique para o estatuto de carne para canhão, sujeitas a “tradições” e “religiões” que incluem a violação sexual em massa de uma mulher?
Como é possível que, em Moçambique, em 2012, em que, pesem todas as dificuldades e constrangimentos, existem entidades e mecanismos com poderes formais e informais como os Srs. Presidente da República, primeiro-ministro, ministro do Interior, ministro da Justiça, Procuradoria, as polícias, etc – e este chocante episódio passe em claro sem que acção decisiva, conclusiva e eloquente seja encetada, dizendo aos criminosos e ao mundo que, em Moçambique, a Lei aplica-se e que, em Moçambique, as mulheres são respeitadas e são para serem respeitadas, que, em Moçambique, estes crimes não são tolerados, e que quem os cometer em Moçambique vai pagar um preço muito caro por eles?"

Nota de rodapé: O estado e o governo moçambicano (não é a mesma coisa?) vangloriam-se de ser um dos países africanos com a maior taxa de mulheres em funções governativas. O meu pensamento seguinte e corolário deste facto, não o partilho...
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