quinta-feira, janeiro 29, 2009

Social 17

Recebi um texto escrito pelo Mia Couto que não resisto a partilhar.
O "jet-set" moçambicano, por Mia Couto
Já vimos que, em Moçambique, não é preciso ser rico. O essencial é parecer rico. Entre parecer e ser vai menos que um passo, a diferença entre um tropeço e uma trapaça. No nosso caso, a aparência é que faz a essência. Daí que a empresa comece pela fachada, o empresário de sucesso comece pelo sucesso da sua viatura, a felicidade do casamento se faça pela dimensão da festa. A ocasião, diz-se, é que faz o negócio. E é aqui que entra o cenário dos ricos e candidatos a ricos: a encenação do nosso "jet-set". O "jet-set" como todos sabem é algo que ninguém sabe o que é. Mas reúne a gente de luxo, a gente vazia que enche de vazio as colunas sociais. O jet-set moçambicano está ainda no início. Aqui seguem umas dicas que, durante o próximo ano, ajudarão qualquer pelintra a candidatar-se a um jet-setista. Haja democracia! As sugestões são gratuitas e estão dispostas na forma de um pequeno manual por desordem alfabética:

Anéis - São imprescindíveis. Fazem parte da montra. O princípio é: quem tem boa aparência é bem aparentado. E quem tem bom parente está a meio caminho para passar dos anéis do senhor à categoria de Senhor dos Anéis O jet-setista nacional deve assemelhar-se a um verdadeiro Saturno, tais os anéis que rodeiam os seus dedos. A ideia é que quem passe nunca confunda o jet-setista com um magaíça*, um pobre, um coitado. Deve-se usar jóias do tipo matacão, ouros e pedras preciosas tão grandes que se poderiam chamar de penedos preciosos. A acompanhar a anelagem deve exibir-se um cordão de ouro, bem visível entre a camisa desabotoada.

Boas maneiras - Não se devem ter. Nem pensar. O bom estilo é agressivo, o arranhão, o grosseiro. Um tipo simpático, de modos afáveis e que se preocupa com os outros? Isso, só uma pessoa que necessita de aprovação da sociedade. O jet-setista nacional não precisa de aprovação de ninguém, já nasceu aprovado. Daí os seus ares de chefe, de gajo mandão, que olha o mundo inteiro com superioridade de patrão. Pára o carro no meio da estrada atrapalhando o trânsito, fura a bicha**, passa à frente, pisa o cidadão anónimo. Onde os outros devem esperar, o jet-setista aproveita para exibir a sua condição de criatura especial. O jet-setista não espera: telefona. E manda. Quando não desmanda.
Cabelo - O nosso jet-setista anda a reboque das modas dos outros. O que vem dos americanos: isso é que é bom. Espreita a MTV e fica deleitado com uns moços cuja única tarefa na vida é fazer de conta que cantam. Os tipos são fantásticos, nesses vídeo-clips: nunca se lhes viu ligação alguma com o trabalho, circulam com viaturas a abarrotar de miúdas descascadas. A vida é fácil para esses meninos. De onde lhes virá o sustento? Pois esses queridos fazem questão em rapar o cabelo à moda militar, para demonstrar a sua agressividade contra um mundo que os excluiu mas que, ao que parece, lhes abriu a porta para uns tantos luxos. E esses andam de cabelo rapado. Por enquanto.
Cerveja - A solidez do nosso matreco vem dos líquidos. O nosso candidato a jet-setista não simplesmente bebe. Ele tem de mostrar que bebe. Parece um reclame publicitário ambulante. Encontramos o nosso matreco de cerveja na mão em casa, na rua, no automóvel, na casa de banho. As obsessões do matreco nacional variam entre o copo e o corpo (os tipos ginasticam-se bem). Vazam copos e enchem os corpos (de musculaças). As garrafas ou latas vazias são deitadas para o meio da rua. Deitar a lata no depósito do lixo é uma coisa demasiado "educadinha". Boa educação é para os pobres. Bons modos são para quem trabalha. Porque a malta da pesada não precisa de maneiras. Precisa de gangs. Respeito? Isso o dinheiro não compra. Antes vale que os outros tenham medo.
Chapéu - É fundamental. Mas o verdadeiro jet-setista não usa chapéu quando todos os outros usam: ao sol. Eis a criatividade do matreco nacional: chapéu, ele usa na sombra, no interior das viaturas e sob o tecto das casas. Deve ser um chapéu que dê nas vistas. Muito aconselhável é o chapéu de cowboy, à la Texana. Para mostrar a familiaridade do nosso matreco com a rudeza dos domadores de cavalos. Com os que põem o planeta na ordem. Na sua ordem.

Cultura - O jet-setista não lê, não vai ao teatro. A única coisa que ele lê são os rótulos de uísque. A única música que escuta são umas "rapadas e hip-hopadas" que ele generosamente emite da aparelhagem do automóvel para toda a cidade. Os tipos da cultura são, no entender do matreco nacional, uns desgraçados que nunca ficarão ricos. O segredo é o seguinte: o jet-setista nem precisa de estudar. Nem de ter Curriculum Vitae. Para quê? Ele não vai concorrer, os concursos é que vão ter com ele. E para abrir portas basta-lhe o nome. O nome da família, entenda-se.
Carros - O matreco nacional fica maluquinho com viaturas de luxo. É quase uma tara sexual, uma espécie de droga legalmente autorizada. O carro não é para o nosso jet-setista um instrumento, um objecto. É uma divindade, um meio de afirmação. Se pudesse o matreco levava o automóvel para a cama. E, de facto, o sonho mais erótico do nosso jet-setista não é com uma Mercedes. É, com um Mercedes.
Fatos - Têm de ser de Itália. Para não correr o risco do investimento ser em vão, aconselha-se a usar o casaco com os rótulos de fora, não vá a origem da roupa passar despercebida. Um lencinho pode espreitar do bolso, a sugerir que outras coisas podem de lá sair.
Óculos escuros - Essenciais, haja ou não haja claridade. O style - ou em português, o estilo - assim o exige. Devem ser usados em casa, no cinema, enfim, em tudo o que não bate o sol directo. O matreco deve dar a entender que há uma luz especial que lhe vem de dentro da cabeça. Essa a razão do chapéu, mesmo na maior obscuridade.
Simplicidade - A simplicidade é um pecado mortal para a nossa matrecagem. Sobretudo, se se é filho de gente grande. Nesse caso, deve-se gastar à larga e mostrar que isso de país pobre é para os outros. Porque eles (os meninos de boas famílias) exibem mais ostentação que os filhos dos verdadeiros ricos dos países verdadeiramente ricos. Afinal, ficamos independentes para quê?
Telemóvel - Ui, ui, ui! O celular ou telemóvel já faz parte do braço do matreco, é a sua mais superior extremidade inferior. A marca, o modelo, as luzinhas que acendem, os brilhantes, tudo isso conta. Mas importa, sobretudo, que o toque do celular seja audível a mais de 200 metros. Quem disse que o jet-setista não tem relação com a música clássica? Volume no máximo, pelo aparelho passam os mais cultos trechos: Fur Elise de Beethoven, a Rapsódia Húngara de Franz Liszt, o Danúbio Azul de Strauss. No entanto, a melodia mais adequada para as condições higiénicas de Maputo é o Voo do Moscardo.

Última sugestão: nunca desligue o telemóvel! O que em outro lugar é uma prova de boa educação pode, em Moçambique, ser interpretado como um sinal de fraqueza. Em Conselho de Ministros, na confissão da Igreja, no funeral do avô: mostre que nada é mais importante que as suas inadiáveis comunicações. Você é que é o centro do universo!

quarta-feira, janeiro 28, 2009

Ambiências 48


Maputo em Janeiro é o equivalente a Lisboa em Agosto. Anda tudo parado e nada desenvolve. As empresas praticamente desertas e todos os negocios estao em banho-maria.


Nestas condiçoes resta pouco para fazer que nao seja fazer também pequenas ferias nos fins-de-semana.


Relativamente perto de Maputo encontra-se o Kruger National Park, um parque natural de dimensoes proporcionais ao tamanho da Africa do Sul.



Este parque, célebre em toda a Africa, reune uma enorme variedade de habitats e de espécies selvagens.


Ao fim de um dia a percorrer e explorar a enorme rede de caminhos e estradas que o Parque oferece é possivel ter observado imensas espécies selvagens e, com um pouco de sorte, ver os big five.


Kruger Park, Africa do Sul, Janeiro de 2009
Os big five sao: elefantes, leopardos, rinocerontes, bufalos e leos.


Bem tentei olhar horas e horas para todas as arvores à procura de leopardos mas ainda nao foi desta...

terça-feira, janeiro 13, 2009

Ambiências 47


Porque o mundo é cada vez mais pequeno, tão depressa estamos em Moçambique como em Portugal como em qualquer outra parte do mundo. Depois de Lisboa, dos encontros familiares para celebrar a época da família e dos amigos que mais prezo, uma passagem por Itália, um país que cada vez mais me é familiar. Em Itália, decidiu-se celebrar o novo ano em Veneza, cidade com uma carga romântica especial e com um ambiente, de facto, único no mundo.

Em Veneza, a passagem de ano era subordinada ao tema do amor, “Love 2009” e consistia basicamente em celebrar a entrada do novo ano com um beijo colectivo na Praça de S. Marcos. Pretendiam os organizadores do evento demonstrar ao mundo que o amor ultrapassa todas as barreiras sociais, credos, cor e raças e que o entendimento entre todos os povos é sempre possível desde que se abra o coração aos outros. Uma forma alternativa de combater a depressão colectiva que de repente e sem aviso se abateu sobre o mundo ocidental.
O conceito agradou-nos, (não fazia sentido celebrar o amor sozinho) e o local parecia o mais apropriado para o efeito e, assim, partimos rumo a Veneza, à Praça de S. Marcos, armados de algumas garrafas de espumante Franciacorta, com o peitos abertos e receptivos à celebração do amor simbolizado num beijo colectivo para iniciar 2009.

Caminhámos por entre as estreitas ruelas de Veneza debaixo de um frio intenso e anormal, aquecidos pelas emoções que carregávamos connosco e pelo tal espumante que já borbulhava dentro dos nossos corpos. As ruas estavam cheias de viajantes vindos de toda a parte e fervilhavam de boa disposição e, claro, não faltavam pequenos bares que serviam de paragens quase obrigatórias para repor o calor dos corpos que se começavam a ressentir da temperatura exterior. Chegados à Praça de S. Marcos, o cenário prometia. Um palco ao fundo e virado para a Basílica de S. Marcos animava as dezenas de milhares de espectadores que iam festejando a ocasião.

Por acaso, ou não, porque estas histórias do acaso tem pano para mangas, e agora, já em Maputo com um calor de inchar, falar em mangas é coisa que me afronta, o acaso, dizia eu, fez com que no exacto momento em que chegámos ao local do evento, subisse ao palco um casal que ia afirmar o tal conceito de que o amor é universal. Ela, moçambicana, de Pemba – local que nos havia encantado 3 meses antes – e ele austríaco. A coincidência foi enorme, porque em Pemba, havíamos estado em casa de um austríaco que estava com uma moçambicana para festejar o seu aniversário.

Esta coincidência encheu-nos de alegria e surpresa e ainda hoje não sabemos se seriam eles ou não. O que sabemos é que mesmo numa passagem de ano em Itália a terra onde agora vivemos estava representada e fez-se ouvir.

Chegada a meia-noite, o amor celebrou-se colectivamente com uma intensidade e emoção genuínas. Depois, o tradicional fogo de artifício e, enquanto toda a gente olhava para o ar para apreciar as cores e os efeitos do fogo, começaram a cair flocos do céu. 2009 brindou-nos a todos com neve que começou nessa altura a cair intensamente. Eu, português habituado a climas bem mais temperados, vivi o momento com regozijo. Um regozijo que entretanto deu lugar à estupefacção porque findo o fogo de artifício, o palco apagou-se e a festa para todos aqueles milhares de pessoas, acabou!

Nem queria acreditar que um evento daqueles, naquela ocasião, acabasse no exacto momento em que deveria começar! A alternativa para os milhares de pessoas era a neve, os pequenos bares, as ruas labirínticas ou as banheiras quentes cheias de espuma.

A Itália, como o resto da Europa, andam a viver momentos incaracterísticos e estão a perder qualidades. Cada vez mais parece que já não é o que era!

Bem vindos a Moçambique!
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