O mundo está cheio de atos revoltantes e cheio de hipocrisias. A história que hoje aqui publico é revoltante, e um dos principais protagonistas foi aclamado publica e hipocritamente como sendo merecedor de um reconhecimento público do seu trabalho... na área da saúde, imagine-se.
O protagonista de tão distinto e público prémio, é um jornalista moçambicano.
O prémio que recebeu há apenas dois meses está noticiado aqui.
O artigo jornalístico que publicou há duas semanas está publicado aqui.
Algumas reações públicas de organizações cívicas estão publicadas aqui, no jornal para onde o jornalista escreve. Sublinhe-se que este jornal, o Notícias, é o jornal com maior tiragem em Moçambique.
Digo eu, depois de ter tido conhecimento da violação de uma mulher por 17 homens.
O respeito pelas diferenças culturais é nobre e respeitável. O mundo tem a ganhar se incorporar as diferenças culturais e as subliminar no que de melhor têm. Mas os hábitos culturais só se respeitam até ao limite da violação dos direitos humanos, ultrapassado esse limite, não se respeitam, não se compreendem. Julgam-se, condenam-se e punem-se!
Depois de tudo o que li e - felizmente, ainda há esperança - se escreveu em Moçambique sobre este episódio, deixo algumas interrogações publicadas e partilhadas por mim, sobre este caso.
"Como é possível que um caso de violação sexual de uma mulher moçambicana em Pemba por 17 homens, passa pelas mãos da autoridade policial local e aparentemente nada aconteceu?
Como é possível que um crime desta natureza possa ser “reclassificado” como uma mera ocorrência pelas entidades envolvidas, 17 autores e um mandatário mandados para casa, invocando a desculpa esfarrapada de que envolve religião e tradições, e como tal se justificava?
Como é possível em 2012, que qualquer pessoa, que qualquer entidade, qualquer tradição, qualquer religião, consiga justificar o crime deliberado da violação em massa de uma mulher, como fazendo parte legítima e constituindo “castigo justificável” , seja em que circunstância for?
Como é possível que a direção e os editores do Notícias de Maputo, deixem passar a limpo nas suas páginas como mera afirmação de uma opinião num sábado, a monstruosidade que é dita quase inexplicavelmente pelo seu cronista de Pemba, que desvaloriza um crime hediondo e efectivamente relega mais do que metade de toda a população de Moçambique para o estatuto de carne para canhão, sujeitas a “tradições” e “religiões” que incluem a violação sexual em massa de uma mulher?
Como é possível que, em Moçambique, em 2012, em que, pesem todas as dificuldades e constrangimentos, existem entidades e mecanismos com poderes formais e informais como os Srs. Presidente da República, primeiro-ministro, ministro do Interior, ministro da Justiça, Procuradoria, as polícias, etc – e este chocante episódio passe em claro sem que acção decisiva, conclusiva e eloquente seja encetada, dizendo aos criminosos e ao mundo que, em Moçambique, a Lei aplica-se e que, em Moçambique, as mulheres são respeitadas e são para serem respeitadas, que, em Moçambique, estes crimes não são tolerados, e que quem os cometer em Moçambique vai pagar um preço muito caro por eles?"
Nota de rodapé: O estado e o governo moçambicano (não é a mesma coisa?) vangloriam-se de ser um dos países africanos com a maior taxa de mulheres em funções governativas. O meu pensamento seguinte e corolário deste facto, não o partilho...