quinta-feira, agosto 28, 2008

Pele 24

Sonhei contigo e acordei a pensar que preciso de ti, e quanto mais penso em ti mais tenho a certeza de que preciso de ti, e não vale a pena enumerar a quantidade de razões que me levam a ter esta certeza de que contigo, a vida teria mais poesia, eu sei que tu dizes que eu vejo poesia em todo o lado e que me encanto e deixo encantar, mas é precisamente porque tu sabes isso tudo e que compreendes esta minha maneira de ser, que és, afinal, a que me ajuda a escrever os poemas da minha vida. Tu és a única que consegue penetrar nestas camadas cada vez mais grossas que me compõem e por isso mesmo és a única que me consegues fazer sair delas. Sinto-me cansado e é por isso que hoje acordei a pensar em ti.

Quem és tu? se ao menos existisses... Adorava conhecer-te!...
...ou talvez não, porque tal como a vida, as páginas do nosso livro de poemas é finita e é sempre com pesar que se chega ao fim do livro, que se encerra mais uma história, porque é mais uma camada de revestimento que se coloca nos nossos seres.
Olha, afinal, pensando bem, já não te quero!... mas preciso de ti…!
Dizia o poeta Eugénio de Andrade que "Passamos pelas coisas sem as ver, gastos, como animais envelhecidos: se alguém chama por nós não respondemos, se alguém nos pede amor não estremecemos, como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão, apodrecidos."

Recuso essa ideia e é por isso mesmo que pensei em ti. Pergunto-me se será pela cor dos olhos, pelo cheiro da tua pele, pela energia que emanas, ou pela forma como me amas…?
Não faço ideia, e é isso que me inquieta mas também é isso que me move. Quantos peomas compõem um livro? Quantas rimas ficarão por escrever?

"É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rio
se manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer."


Preciso de mim!... preciso de ti!

terça-feira, agosto 19, 2008

Dia Internacional da Fotografia



Foto de Eduardo Gageiro


Hoje é o dia internacional da fotografia. Quem diria? não fazia ideia da existência deste dia. Seja como for é um óptimo pretexto para se colocar neste espaço uma foto de um grande fotojornalista português: Eduardo Gageiro.

Haveriam muitas fotos do espólio de Gageiro que poderiam ser aqui colocadas. A selecção torna-se dificil. Escolhi um foto, das muitas, que na minha opinião fez história e que justifica a importância da fotografia. A rendição da PIDE em Abril de 1974.

segunda-feira, agosto 18, 2008

Intimidades 18


Cantava o Luís Represas em tempos, uma canção que não sei, e sou incapaz de reproduzir de memória, precisamente sobre a memória. E dizia ele que “as memórias são como livros escondidos no pó”. Mas são livros especiais, com muito menos páginas do que as vivências, porque não contam a história toda, mas só aquilo que se quer recordar. Uma espécie de resumos subliminares das coisas boas que se quis guardar. Dizia também um filósofo a este propósito que “A memória age como a lente convergente na câmara escura: reduz todas as dimensões e produz, dessa forma, uma imagem bem mais bela do que o original”

É tanto assim que se se quiser reconstituir um momento passado vivido por duas ou mais pessoas, elas, em conjunto, terão uma história bem mais rica e diferente do que se fosse contada por apenas uma.

É exactamente sobre este confronto de memórias sobre a mesma história que me apetece dizer que no essencial, a tela, a matriz, o cenário são os mesmos. As cores e os pormenores dos traços com que se enchem a tela é que são diferentes e essas diferenças são determinantes no relato de uma história ou de um acontecimento.

Vem isto a propósito de memórias passadas que revisitei quando estive em Portugal e memórias futuras que ficarão daqui de Moçambique ou de outro lado qualquer onde possa estar e vem também a propósito de que, no essencial, gosto das memórias que vou colectando. E sinto-me em paz. Uma paz, porém, irrequieta.

sexta-feira, agosto 15, 2008

Séries 28

Não, definitivamente o dia não estava a acabar como previsto. Dito assim até parece que havia algum plano para o fim do dia, que não havia, porque o Destino – estranho nome para um gajo que nem acreditava no conceito, nem nele próprio – acreditava que o melhor era deixar correr o tempo e os acontecimentos e interferir apenas quando a coisa ou descambava ou se vislumbrava uma alternativa a considerar.

Naquela noite decidiu convidar a Estele para uma saída cultural, uma sua conhecida de amigos comuns, um conhecimento que ainda gatinhava e que pensou poderia começar a andar a partir daquela noite, uns passos tímidos mas seguros para uma relação de amizade, porque a Estela era boa onda mas não o entusiasmava nem atraía para mais do que umas francas gargalhadas.

E a noite corria e escorria, umas cervejas atrás de outras e mais sabe-se lá o quê, música, dança e a subtileza feminina da Estele caiu por terra e deu lugar à investida, directa e sem mais. Ele, que a tinha flirtado infantilmente, sem esperar rigorosamente nada mais do que o encanto entre duas pessoas, foi apanhado desprevenido pela investida. Meio tolhido do álcool não conseguiu nem fez esforço para contrariar a investida e só pensava lá no fundo que não era bem aquilo que ele queria, mas a espuma da cerveja já tinha derrubado os muros da vontade e dali para a frente seria o que o destino, não ele que já não tinha qualquer capacidade de decisão, quisesse.
Bem vistas as coisas, argumentou em pensamentos entaramelados justificando-se para si próprio, até era uma mulher elegante, curvas bem feitas e suficientemente pronunciadas, uma pele dourada e tentadora, cabelos fartos e vistosos e uma voz bastante sensual. De qualquer maneira sentia que já não conduzia nada e que era conduzido.
O pior é que tinha mesmo que conduzir, tinha ainda que fazer a auto-estrada até casa e tinha que a conduzir, ele que já não tinha mão em nada porque os acontecimentos precipitavam-se a uma velocidade superior ao seu poder de encaixe.

No caminho pela auto-estrada decidiu, talvez pela reserva de lucidez que emergia para o fazer conduzir o carro, que em vez de não ter a mão em nada era tempo de deitar a mão a qualquer coisa de palpável e apreciar aquele belo corpo que ali estava disponível. E assim fez, com um sorriso pateta que parecia dizer agora sou eu que mando a minha vontade que afinal é a tua, começou a tocá-la com uma mão enquanto segurava o volante com a outra. E ela agradeceu, sentiu que a investida que tinha feito até então começava a dar os frutos que desejava e que finalmente o prazer carnal que ansiava, chegava. Despiu-se ali mesmo no banco do carro de forma a poder absorver em todos os poros os toques que desejava e nem o facto dele estar a partilhar a atenção à estrada e ao seu corpo a incomodava, pelo contrário, estimulava-a ainda mais. Pernas abertas e pés sobre o tabliê, a posição que escolheu para a recepção de outra pele que não a dela.

Os primeiros raios de luz já se faziam ver durante a viagem. Ela, satisfeita com a forma como o dia despontava, ele, aturdido, meio autómato de uma vontade que não era a dele e que não conseguia contrariar. Chega o fim da auto-estrada, o anúncio das portagens e ela, abrindo os olhos devido ao abrandamento da marcha, olha para a trajectória escolhida e pergunta meio incrédula, meio horrorizada: “ Não tens VIA VERDE???”

Ele responde com o ar mais natural e espantado com tamanha incrudelidade: “ ...não…”
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