António de Oliveira Salazar - 1962 |
O espólio fotográfico do Eduardo Gageiro é notável, e há fotografias que ele fez que me deixam mudo perante a riqueza de conteúdo que contêm. Esta é uma foto dessas, reveladora de uma perspicácia invulgar. Dizia o Nozolino, outro grande fotógrafo cujo trabalho admiro, que o olhar é como um lápis, com a idade vai-se afiando. É certo que em 1962 Gageiro era ainda um jovem fotojornalista, mas o seu olhar sempre foi especial e foi essa capacidade que o tornou num excelente fotojornalista e captador de imagens.
Nesta foto, vê-se um homem orgulhosamente só, contemplando o oceano, provavelmente pensando no seu delirante sonho colonialista e que conduziu Portugal a uma guerra absurda e, na época, sem sentido e fortemente condenada do ponto de vista internacional. Um homem só, um poder só, com uma máquina musculada por detrás que reprimia quem se lhe opusesse.
Que personagem e que cenário escolheria Gageiro nos dias de hoje para retratar o poder em Portugal? Duvido que fosse Cavaco Silva na sua casa do Algarve. Duvido também que fosse José Sócrates a sair da Universidade com o seu diploma, ou a sair de um palácio no Qatar com um cheque na mão. Provavelmente escolheria não um, mas um monte de personagens, os das grandes empresas de consultoria, sem rosto, que legislam a seu belo prazer, que misturam sabiamente a política e o capital, porque afinal, o verdadeiro poder hoje não tem rosto.