Era final de tarde e os últimos raios de Sol faziam as despedidas do dia. Um dia tranquilo, passado numa praia quase privativa com o mar quente e salgado que vinha em ondas suaves e cadenciadas. O verde esmeralda da água combinava com com o verde das árvores que banhavam as raízes na areia fina e clara. Ao longe, e sobranceiro ao mar, um enorme embondeiro guardava a praia e era o farol diurno daquela pequena baía.
Depois do corpo saciado por aquele mar cristalino, subi um pequeno trilho que dava acesso a umas pequenas casas. No caminho, cruzei-me com um moçambicano macua que estava a preparar numa fogueira algo para comer. Parei, saudámo-nos e à boa maneira moçambicana, sentei-me com ele e começámos a conversar.
Disse que tinha nascido mais a norte de Pemba, numa pequena aldeia a caminho de Quissanga. Agora trabalhava em Pemba, guardava aquelas casas para onde eu me dirigia. Tomava também conta dos jardins e cuidava para que eles estivessem sempre verdes e viçosos. E a conversa decorria naquele ritmo paciente dos jardineiros à medida que ele ia mexendo o milho que tinha posto a torrar numa pequena lata que fazia os serviços de panela.
Então, começou-me a contar o segredo daquela comida. Você torra o milho, devagar para não queimar e não rebentar e, quando ficar amarelo torrado está pronto. Aí, você deixa arrefecer e mistura com amendoim e uma raiz e faz uma pasta. Quando a pasta estiver bem mexida, faz uns bolinhos e depois come. Quando você comer vai ficar animado, dizia com um ar e sorriso meio malandro. Animado? perguntei. Sim, disse ele já a rir, você toma isto quando está fraco e depois consegue estar uma noite inteira animado com uma mulher. Ai sim? Sim! anima mesmo, umas sete horas! Rimo-nos e deixámo-nos estar num silêncio pacífico apenas cortado pelo crepitar do lume.
Perguntei-lhe que mais segredos sabia, e ele disse-me que se eu quisesse saber segredos que falasse com as mulheres, com aquelas que pintam a cara. Despedimo-nos e eu continuei o meu caminho, feliz com aquele encontro de paz e de cultura.
Ontem, enquanto perguiçava à beira mar, lia um livro de contos do Mia Couto, e deparei-me com uma frase de um provérbio macua que me fez recordar este e outros encontros com aquele povo:
"O barco de cada um está em seu próprio peito."